quinta-feira, 31 de maio de 2007

Breve História da Guerra do Contestado - III

A GUERRA DO CONTESTADO (1913-1916) - Fase Inicial

Transcorria o segundo semestre de 1913. A espiritualidade
dos monges João Maria e José Maria ainda estava forte na lembrança
dos caboclos catarinenses, que recebiam esporádicas visitas anuais
missioneiras de padres alemães franciscanos. A autoridade policial
e judicial, atrelada aos coronéis da política regional, continuava
sendo desconhecida pela população. A companhia ferroviária media
seus terrenos ocupados pelos sertanejos e iniciara a instalação de
colônias com imigrantes alemães, ao mesmo tempo em que a Lumber
Company promovia desenfreada devastação florestal e expulsava
os desamparados posseiros. Nos tribunais superiores e nas tribunas
legislativas, a questão de limites entre os Estados litigantes continuava
sendo discutida. Caindo nas mãos de políticos influentes e amigos do
poder nas capitais, as terras virgens viraram objeto de especulação
imobiliária. Em épocas de eleições, os peões alistados eram reunidos
em “currais” para receberem orientações em quem votar. Às milhares
de famílias, que sequer eram contadas nos censos, não se estendiam
ações de saúde, assistência social, segurança, comunicações e
educação.

Em Taquaruçu, a deflagração
Em setembro de 1913, no mesmo local do quadro-santo
original – Taquaruçu – surgiu uma nova “cidade-santa”, formada
por discípulos e seguidores de João Maria e José Maria, atraídos pelo
seduzido e crente fazendeiro Eusébio Ferreira dos Santos e sua neta
Teodora, considerada vidente. O messianismo foi revigorado, com
a promessa da ressurreição do finado José Maria. Rapidamente, o
local atraiu a população mística, que se concentrou e se organizou.
O ajuntamento religioso caboclo chamou a atenção do governo de
Santa Catarina que, temendo a repetição do acontecimento de um ano
antes, pediu a participação do Exército para dissolvê-lo. O Paraná,
mesmo reconhecendo estar Taquaruçu a Leste do Rio do Peixe, não
via com bons olhos a presença militar na região, pois entendia que
esta poderia invocar a execução da decisão do STF pró-Santa Catarina
na questão de limites.
No dia 15 de dezembro de 1913, a região assistiu a chegada
de forças militares federais e policiais catarinenses em Rio Caçador,
em Campos Novos e em Curitibanos, de onde partiram rumo a
A exemplo das manifestações místicas na “Cidade Santa de Taquaruçú”, os caboclos
do Contestado realizavam diariamente procissões religiosas nos quadros-de-reza,
montados no interior dos redutos, quando, dando “vivas” a São João Maria, a São
Sebastião e a José Maria, rogavam por forças para condução a vitórias nas batalhas.
Taquaruçu. Faltou sincronia, com o que as colunas de 230 homens
se movimentaram em momentos diferentes. Sentindo a proximidade,
os caboclos investiram e, no dia 29, derrotaram com pesadas baixas,
uma das tropas agressoras, fazendo com o que as demais recuassem,
vergonhosamente. Este combate marcou o início da guerra.
Nos primeiros dias de janeiro de 1914, na vila de Curitibanos,
é assassinado pelo Superintendente local, o cidadão Praxedes Gomes
Damasceno, líder comunitário de Taquaruçu, quando tentava
recuperar uma tropa de mulas cargueiras apreendidas. Isso acirrou
os ânimos na “cidade santa”, a ponto de, ali, expulsarem Frei Rogério
Neuhaus, que havia tentado dissuadir os ajuntados. O Governo de
Santa Catarina fez novo apelo ao Exército, que reuniu uma tropa de
754 homens, sob o comando do Tenente Coronel Duarte de Alleluia
Pires, com ordens de efetuar um ataque implacável.
Diante do observado poderio militar, os caboclos decidiram se
retirar de Taquaruçu, em direção ao Norte, a Caraguatá, na Serra do
Espigão. Na chuvosa noite de 8 de fevereiro, quando a artilharia iniciou
cerrado bombardeio com granadas e bombas schrapnell, os sertanejos
partiram, deixando uma guarda de poucas dezenas de combatentes,
que foi dizimada pelas metralhadoras na manhã seguinte. O comando
militar entendeu que houve a dissolução do acampamento caboclo e
se retirou para Calmon, com a intenção de regressar aos quartéis.

Caraguatá e o Exército Encantado
Na área do Distrito de São Sebastião do Sul, Vila de Perdiz
Grande, Município de Curitibanos, no alto da Serra do Espigão, o
reinado era de antigos farroupilhas e maragatos, dentre eles os irmãos
Elias de Morais e Bonifácio Morais, que tiveram suas terras expoliadas
pelos “bendegós” promovidos pelo governo catarinense. A eles
juntaram-se integrantes da família Sampaio que, ao lado de membros
da família dos Almeida, dos Vidal, dos Crespo, dos Paes de Farias, dos
Lima, dos Rocha e outros, eram inimigos do Coronel Albuquerque. Ali,
junto a Canhada Funda do Arroio Caraguatá, elegeram uma menina,
de apenas 13 anos de idade – Maria Rosa – como Comandante Suprema
do Exército Encantado de São Sebastião, naquele momento criado para
defender a honra cabocla dos agressores militares.
Tomando conhecimento da nova concentração, o Exército
procedeu o reforço da expedição e a substituição do comando, de
Pires para o Tenente Coronel José Capitulino Gomes Gameiro, que
imediatamente ordenou um ataque frontal a Caraguatá, com mais
de 700 homens. Os caboclos não se intimidaram e revidaram, sendo
vitoriosos nos combates de corpo-a-corpo do dia 9 de março em
mais uma desarticulada e desastrosa investida militar. Os corpos
dos soldados mortos foram pendurados, enforcados, em galhos de
pinheiros, para que o odor do putrefamento ao ar livre, afastasse
novas tentativas de ataque. A tropa derrotada recuou novamente
para Calmon.
Em Caraguatá, as condições de vida salubre eram insatisfatórias.
De pronto, ocorreu uma epidemia de febre tifóide, causando
muitas mortes. A jovem Maria Rosa, tida como “virgem”, ouvindo
os líderes rebelados, decidiu empreender a retirada para a região do
Timbó, descendo a Serra em direção a Bom Sossego, espalhando as
famílias pelos redutos de Pedras Brancas, São Pedro, Caçador Grande,
Tamanduá, São Sebastião, Santo Antonio, Timbozinho e Vacas
Brancas. Organizou-se o Exército Encantado, inicialmente com 3.000
homens e 2.000 mulheres, com o Conselho de Comandantes, formado
pelos líderes dos piquetes-de-briga e chefes-de-redutos, incluindo
o Comandante- Geral Elias de Morais, José Aleixo Gonçalves,
Eusébio Ferreira dos Santos, Antonio Tavares Júnior, Agostin Saraiva, o
“Castelhano” (sobrinho de Gumerindo Saraiva e de Aparício Saraiva,
comandantes maragatos da Revolução Federalista de 1894), Olegário
Ramos, Maria Rosa, Joaquim Germano, Conrado Gröbber, Francisco Alonso,
Henrique Wolland, Benevenuto Luno, o “Venuto Baiano”, este depois
verificado como “paranaense infiltrado” para jogar a população cabocla
catarinense contra o Exército, Sebastião dos Campos, Francisco Paes de
Farias, o “Chico Ventura” e Adeotado Ramos, o “Deodato”, que viria a ser o
mais famoso “jagunço”.
A União tratou de ampliar as tropas, chamando destacamentos
gaúchos e nomeando o General Carlos Frederico de Mesquita para
o comando. O segundo grande ataque ao Reduto de Caraguatá,
anunciado à Nação como “vitória”, na verdade, foi novo fracasso.
Na missão de extermínio, que juntou 3.000 soldados no Contestado,
o Exército bombardeou e metralhou só espaços vazios. Isso não
impediu que, em maio, Mesquita anunciasse o fim da resistência
sertaneja e determinasse o retorno aos quartéis, deixando na região,
para a estação do frio inverno que se aproximava, apenas um pequeno
destacamento, sob o comando do Capitão Matos Costa, ele que,
fazendo amizades entre os caboclos, tentou pacificar a revolta e evitar
a organização de nova expedição militar, sem sucesso.

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