quinta-feira, 31 de maio de 2007

Breve História da Guerra do Contestado - I

Ficha Catalográfica: de Célia de Marco, bibliotecária – CRB: 14/692
Biblioteca da UnC-Caçador
T465ph
Thomé, Nilson.
Breve História da Guerra do Contestado / Nilson Thomé. Caçador (SC):
UnC Campus Caçador; Museu do Contestado; INCON, 2005.
44 p.
I. Guerra do Contestado - História I. Título.
CDD: 981.64
981.098164
CDD: 981.64
981.098164

APRESENTAÇÃO

O Governo do Estado de Santa Catarina, através da Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Regional da Microrregião de Caçador, louva mais esta
brilhante iniciativa do professor e escritor Nilson Thomé. Sua bandeira, ao
longo da vida, tem sido o incansável resgate e divulgação dessa parte da história
catarinense, deixando assim de ser a lacuna esquecida pela história oficial e
que poderá nos ajudar, a partir da contextualização do episódio, compreender
melhor a nossa região e nortear diretrizes e políticas públicas que melhorem o
desenvolvimento e a qualidade de vida da nossa laboriosa gente.
O texto, de linguagem simples, clara, objetiva e dirigido principalmente
aos leigos e estudantes, é um instrumento extremamente acessível e
indispensável a todos que desejarem ter uma noção elementar do que foi
e o que representou a Guerra do Contestado. Portanto, será distribuído aos
alunos e bibliotecas das escolas de abrangência dessa Secretaria Regional.
O Governador Luiz Henrique da Silveira tem demonstrado interesse
nesse processo através de inúmeras manifestações de incentivo e apoio às
ações que, além de manter viva a chama dessa história, sirva de oportunidade
para a exploração do potencial turístico que oferece.
Parabéns ao professor Nilson Thomé, por mais este livro. Parabéns
a todos os que lutam para resgatar a nossa história. Parabéns a você, que
terá o privilégio da leitura desta obra. Após lê-la, não guarde-a na estante
para empoeirar e, sim, passe-a à frente para que outro tenha a mesma
oportunidade que você.
Valdir Vital Cobalchini
Secretário de Estado de Desenvolvimento
Regional da Microrregião de CaçadoR

INTRODUÇÃO

No Meio-Oeste, Planalto Central e Norte de Santa Catarina, entre
os vales dos rios Canoinhas (a Leste) e do Peixe (a Oeste), com os
rios Negro e Iguaçu ao Norte e o Rio Canoas e Campos Novos ao
Sul, localiza-se a área que entre 1913 e 1916 foi cenário da Guerra do
Contestado e, por isso, historicamente é identificada como Região do
Contestado. Faz parte de área maior, que antigamente se estendia ao
Extremo-Oeste, na fronteira com a Argentina (atuais Oeste Catarinense
e Sudoeste Paranaense), que constituía o Território Contestado, assim
conhecido até 1917, quando da solução da questão de limites entre
Paraná e Santa Catarina.
A linha (curso) da foz do Rio Canoinhas (no Rio Negro) às
suas nascentes e destas às nascentes do Rio do Peixe até a sua foz (no
Rio Uruguai) passou a ser considerada como “fronteira provisória”
entre os estados litigantes em 1879. No final do século passado e início
deste, o Paraná administrou e promoveu a ocupação das terras do
Planalto Norte e da margem direita do Rio do Peixe, pelos municípios
de Rio Negro, Porto União da Vitória, Três Barras, Itaiópolis e Palmas,
e Santa Catarina as terras da margem esquerda, pelos municípios de
Lages, Curitibanos e Campos Novos, depois também por Canoinhas.
Dentro da Floresta da Araucária, a região era praticamente
desabitada, com suas vilas, povoados e fazendas, ligados entre si por
estreitos e sinuosos caminhos, abertos pelos tropeiros. Entendida como
“geração cabocla”, parte da população havia chegado na primeira
metade do século passado, num processo de ocupação de terras livres
e, outra parte, chegou após 1850, quando a Lei das Terras viabilizou
sua instalação em pequenas e médias propriedades, contrastando com
o modelo anterior de sesmarias, que havia permitido o surgimento de
grandes fazendas.
Os criadores e lavradores luso-brasileiros vindos tanto de São
Paulo e do Paraná, como do Rio Grande do Sul, mesclaram-se com
os nativos índios Kaigang e Xokleng e com aqueles que haviam
chegado antes, os negros escravos, os mamelucos (da mesclagem
do branco com o índio), os cafusos (do cruzamento do negro com
o índio) e os mulatos (mestiços do branco e do negro). Nesta época,
chegaram também os primeiros eslavos, como resultado dos planos
governamentais de imigração, principalmente alemães, holandeses,
poloneses e ucranianos.
Distante das suas duas “capitais” - Florianópolis de um lado e
Curitiba de outro - a região teve vagaroso ritmo de desenvolvimento.
Tanto no Contestado-catarinense como no Contestado-parananense
o povo vivia em solidão, longe dos recursos que a modernidade
proporcionava às pessoas dos centros maiores. As estradas não
passavam de trilhas abertas a facão nas matas. A população não
dispunha de pronto atendimento médico, odontológico, farmacêutico
ou hospitalar. As escolas primárias eram raras. A autoridade era
exercida por superintendentes municipais, juízes-de-paz, delegados
de polícia e pelos fazendeiros-coronéis.
A Igreja mantinha paróquias nas únicas cidades catarinenses
existentes no início do século – Lages, Curitibanos, Campos Novos e
Canoinhas – e nas paranaenses de Palmas, Rio Negro e Porto União
da Vitória, com poucos padres atendendo os fiéis em demoradas
viagens pelos sertões, sendo que, neste quadro, despontaram na
região pessoas “diferentes”, peregrinas e eremitas, consideradas
Pequena História da Guerra do Contestado 9
“monges” pela população regional, algumas delas por se exercitarem
como pregadoras e curandeiras, outras por se apresentarem como
profetas, visionárias, charlatães ou fanáticas, enraizando nos caboclos
uma forma de religião popular.
As principais atividades econômicas resumiam-se em: extração
da erva-mate, tropeirismo, lavouras de subsistência, criação de gado
bovino e de suínos. Não existiam indústrias. O comércio restringia-se
a pequenas “bodegas” nas margens de algumas estradas. Este quadro
não começou a se reverter a partir da abertura da EFSPRG, em 1910,
como alguns podem pensar, mas, sim, após 1917, quando terminou
a Guerra do Contestado e foi homologado o Acordo de Limites PRSC,
quando então a Cia. Estrada de Ferro iniciou as tentativas de
implantação dos planos de colonização nas terras marginais aos
trilhos e quando a Lumber Company entrou em plena operação.
É neste cenário que insere-se a Guerra do Contestado...
Aproximadamente seis mil pessoas foram mortas no sertão do
Estado de Santa Catarina, entre dezembro de 1913 e janeiro de 1916.
Após quase três anos conflituosos, cerca de nove mil militares e civis,
entre mortos, feridos, desaparecidos e desertores, deram baixa nos
campos de batalha da Guerra do Contestado, um dos mais sangrentos
episódios da História do Brasil, que manchou com sangue uma área
de 15.000 km, então habitada por menos de 50 mil pessoas.
No auge do conflito, entre o final de 1914 e o início de 1915,
estavam em ação 8.000 militares, sendo 7.000 soldados das armas da
Infantaria, Cavalaria, Artilharia e Engenharia do Exército Brasileiro,
do Regimento de Segurança do Paraná, do Regimento de Segurança
de Santa Catarina, mais 1.000 civis regionais contratados pela União.
O inimigo: Exército Encantado de São Sebastião, informal, com 10.000
combatentes, entre homens, mulheres, idosos e crianças, na maioria
caboclos luso-brasileiros, armados com revólveres, espingardas e
facões.
A Guerra do Contestado foi o evento bélico mais importante
da História de Santa Catarina, envolvendo a população sertaneja de
um lado e forças militares nacionais e estaduais do outro. O evento,
que aconteceu em terras administradas por Santa Catarina e leste do
Rio do Peixe, é definido por estudiosos como “insurreição xucra” ou
“guerra civil”; para religiosos, ocorreu uma “rebelião de fanáticos”;
para sociólogos, houve um “conflito social”; para antropólogos,
foi um “movimento messiânico”; para políticos, uma tentativa de
desestabilização das oligarquias; para administradores públicos,
aconteceu uma “questão de limites”; para militares, tratou-se de uma
“campanha militar”; para socialistas, aconteceu uma “luta pela terra”.
Entretanto, para historiadores regionais da atualidade, a Guerra do
Contestado foi tudo isso simultaneamente.
A formatação histórica do Contestado é ímpar. Não há uma
motivação única, com início, meio e fim, para caracterizar o fato.
Nesta proposição, transcorridos 90 anos, o evento é entendido como
a insurreição do sertanejo catarinense, provocada pelo avanço do
capitalismo na região, influenciada pela construção da ferrovia,
pela ação danosa da madeireira Lumber Company, pela questão de
limites entre Paraná e Santa Catarina, pelo jogo de interesses entre
fazendeiros e políticos, pelo misticismo que havia entre os caboclos,
pela estratificação social e sistemas de vida da época, pela posse da
terra, pelo messianismo e pela índole guerreira dos sertanejos. Como
evento complexo, tem-se que este conflito eclodiu coincidentemente
em tempo e espaço, na junção de motivações sociais, econômicas,
políticas, religiosas e culturais, não podendo mais ser analisado e
discutido sob um único prisma ou tomado isoladamente por apenas
um destes fatores.

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