O Contestado na Literatura e na Historiografia
Academia Catarinense de Letras
Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina
Evento: “O Contestado na Literatura e na Historiografia”
Florianópolis: 18/08, 25/08, 01/09, 08/09 de 2005
Mesa-redonda de 25 de agosto de 2005
Tema: Historiografia da Guerra do Contestado:
HISTORIOGRAFIA DA GUERRA DO CONTESTADO
Nilson Thomé,
da Universidade do Contestado – UnC, Campus de Caçador
Introdução
Convidados que fomos pelos organizadores deste evento para abordar a “Historiografia da Guerra do Contestado”, aqui, enfocaremos especificamente esta temática, não adentrando em questões de “constructos” de História, envolvendo conceitos, fontes, teorias, técnicas ou métodos. Também não nos referiremos ao contexto maior da mais ampla “História do Contestado” (regional), assim, limitando-se ao episódio do conflito social, localizado no espaço (Meio-Oeste catarinense) e no tempo (1913-1916), sem esquecer os principais fatos antecedentes e subseqüentes.
Neste sentido, de ante-mão, esclarecemos que esta temática já foi anteriormente por nós estudada, vindo a compor um capítulo de um livro que publicamos em 2004 e que, agora, complementamos com mais e novas informações, atualizando os segmentos.
Conceituação de Historiografia
A Historiografia é a História da História, ou seja, uma denominação própria que as demais ciências humanas não têm e que, por não ter, usam, por exemplo, História da Educação, História da Filosofia, História da Matemática, etc. Isso aplica-se também à Literatura, onde temos a História da Literatura e não uma “literaturagrafia”...
Precisamos ficar sempre atentos à polissemia dos termos: História, Conhecimento Histórico e Historiografia, que se confundem aos menos avisados. Não devemos confundir Estudos históricos e estudos historiográficos. Historiografia, propriamente dita, prende-se à arte de escrever História. É estudo histórico e crítico acerca da História ou dos Historiadores. As tendências da Historiografia refletem as limitações e inquietações da própria História contemporânea.
O conhecimento histórico não produz o objeto, mas dá-lhe uma certa representação dentro de regras, métodos e leis teóricas assumidas pelo historiador, que é o agente produtor do conhecimento, dentro da própria realidade. O conhecimento é o registro inteligente que o historiador procura fazer para compreender aquela realidade. A Historiografia é justamente o conhecimento crítico dessa representação e do processo que a determinou.
A Historiografia reflete a História. Segundo Lapa, “não pode haver uma Historiografia rica se o conhecimento histórico – do processo de memorização à elaboração científica – é pobre”. A Historiografia é a análise crítica do conhecimento histórico e historiográfico. Ao seu domínio pertence o processo de recriação, interpretação, representação e resultados do processo de produção do conhecimento histórico.
Para Lapa, a historiografia não deve ser mera enumeração de autores e obras, numa desambiciosa descrição do que se escreveu em História. Antes, ela “deve captar em profundidade o conteúdo das obras, da palavra, das idéias e da própria ação dos historiadores ao longo de sua vida, com todas as suas implicações, procurando interpretar o seu significado”. O Autor defende a idéia de que a historiografia precisa ser crítica, tendo assim, uma dimensão epistemológica. Historiografia pode ser a Filosofia do Conhecimento Histórico, a Crítica do Conhecimento Histórico ou a Epistemologia do Conhecimento Histórico. É estudo das obras em que se substancia esse conhecimento histórico.
Conceituação de Guerra do Contestado
A Guerra do Contestado foi o evento bélico mais importante da História de Santa Catarina, envolvendo a população sertaneja de um lado e forças militares nacionais e estaduais do outro .
O evento, que aconteceu em terras administradas por Santa Catarina e leste do Rio do Peixe, é definido por estudiosos como “insurreição xucra” ou “guerra civil”; para religiosos, ocorreu uma “rebelião de fanáticos”; para sociólogos, houve um “conflito social”; para antropólogos, foi um “movimento messiânico”; para políticos, uma tentativa de desestabilização das oligarquias; para administradores públicos, aconteceu uma “questão de limites”; para militares, tratou-se de uma “campanha militar”; para socialistas, aconteceu uma “luta pela terra”. Entretanto, para historiadores regionais da atualidade, a Guerra do Contestado foi tudo isso simultaneamente.
A formatação histórica do Contestado é ímpar. Não há uma motivação única, com início, meio e fim, para caracterizar o fato. Nesta proposição, transcorridos 90 anos, o evento é entendido como a insurreição do sertanejo catarinense, provocada pelo avanço do capitalismo na região, influenciada pela construção da ferrovia, pela ação danosa da madeireira Lumber Company, pela questão de limites entre Paraná e Santa Catarina, pelo jogo de interesses entre fazendeiros e políticos, pelo misticismo que havia entre os caboclos, pela estratificação social e sistemas de vida da época, pela posse da terra, pelo messianismo e pela índole guerreira dos sertanejos. Como evento complexo, tem-se que este conflito eclodiu coincidentemente em tempo e espaço, na junção de motivações sociais, econômicas, políticas, religiosas e culturais, não podendo mais ser analisado e discutido sob um único prisma ou tomado isoladamente por apenas um destes fatores .
Historiografia da Guerra do Contestado
A maior parte da bibliografia básica existente e disponível no Brasil sobre o tema Contestado não é constituída por trabalhos científicos em História, ou seja, produzida por historiadores profissionais, aqui entendidos como os diplomados bacharéis e especialistas no ramo dentro das academias, mas, sim, por múltiplos escritos de teólogos, médicos, sociólogos, políticos, folcloristas, advogados, jornalistas, religiosos, filósofos, militares, poetas, psicólogos, engenheiros e romancistas, cada um na sua especialidade, que, com ou sem formação acadêmica ou experiência em métodos científicos, excursionaram pelos caminhos das histórias para elaborar narrativas históricas, a maioria até com relativo êxito. Graças a estes, muitas importantes informações foram salvas. Então, temos no Brasil, valiosos estudos sobre a temática do Contestado, com visões de cientistas-historiadores, de cientistas sociais especialistas nas suas respectivas áreas e, de leigos em História e em qualquer outra ciência .
Poucas pessoas da nossa região têm-se dedicado a “trabalhar” esta rica temática de forma permanente. Na área científica, as publicações ainda são escassas e, na maioria, são produções de pós-graduandos de universidades de outras partes do País. Assim, distantes da nossa realidade, pesquisam apenas uma vez e sob um só enfoque, dando conta das exigências acadêmicas para obterem seus títulos de mestres ou de doutores e, depois, esquecem o assunto. O pior disso é que suas obras, em uma ou duas vias, encadernadas, na maioria das vezes não editadas em livros, destinam-se às estantes das bibliotecas universitárias de origem e, ali permanecem, estáticas, apenas para consultas, unicamente servindo de fontes para outros pesquisadores.
Desde 1974 quando decidimos construir uma História para o Contestado e, dentro dela, uma História para a Guerra do Contestado, não estávamos sozinhos. Nossos estudos não eram e não são os únicos existentes. Há inúmeros trabalhos de outros autores, parte deles em disponibilidade, que usamos, tanto como fontes para nossas pesquisas, como material para manuseio pelos alunos na Universidade, ou para atender pessoas que demonstram querer conhecer o assunto. Assim, sempre que abordamos “Contestado”, indicamos a bibliografia complementar, referente a cada tema específico, aquela de mais fácil acesso, para que, livremente, cada um disponha das informações que deseja, se pretender aprofundar-se mais nos estudos históricos.
Preferimos mencionar “bibliografia” e não “historiografia”. Aqui, apresentamos um levantamento da biblio+grafia do Contestado, que é área mais ampla do que a história+grafia, por enfocar livros que contemplam o tema não apenas pelo lado da História.
Nas publicações de Maria Izaura Pereira de Queiroz (1957), de Maurício Vinhas de Queiroz (1966) e de Duglas Teixeira Monteiro (1974), estão as primeiras tentativas de apresentação das referências bibliográficas (impressas) disponíveis no mercado brasileiro sobre a Guerra do Contestado, até a época da realização destas pesquisas. A nossa primeira grande experiência em elaborar uma ampla listagem das obras publicadas no Brasil sobre a Guerra do Contestado constou na relação bibliográfica que preparamos em 1977, para o Projeto de Pesquisa “Contribuição do Estudo da Campanha do Contestado”, através da FEARPE e do Museu do Contestado.
A segunda relação de relativo porte, por nós apresentada, constou na “Bibliografia” do livro/álbum “Contestado”, publicado pela Editora Index e Fundação Roberto Marinho, do Rio de Janeiro, e pela Fundação Catarinense de Cultura, de Florianópolis, elaborado entre 1985 e 1986, mas impresso em 1987. Nossa terceira listagem surgiu em 1986, junto ao ensaio “A Insurreição Xucra do Contestado - com sugestões bibliográficas para o estudo da Campanha da Contestado”, separata da produção de sua autoria que foi inserido no livro/álbum Contestado, da Ed. Index, só que, com o texto significativamente ampliado.
Finalmente, em 1992, surgiram as “Indicações Bibliográficas”, sugeridas no livro “Sangue, Suor e Lágrimas no Chão Contestado”, de nossa autoria, do Instituto Histórico e Cultural da Região do Contestado – INCON. Esta listagem foi adotada, ainda em 1992, nos ementário da disciplina “História do Contestado”, incluída nas grades curriculares de todos os cursos de nível superior da UnC.
O escritor catarinense, Enéas Athanázio, publicou sua lista, em “O Contestado: um roteiro para leituras”, no site da Internet “Santa Catarina. História, Gente e Literatura”, da União Brasileira de Escritores, Regional de Santa Catarina, em 2002. A par das obras e autores, teceu comentários sobre cada uma delas.
Disponível: [www: //planeta.terra.com.br/arte/prosapoesiaecia/ubesc2002/schistoriagentelit.html].
Em 2002, tomamos a liberdade de inserir na “Revista Virtual Contestado e Educação”, edição nº 1, publicação na Internet do Programa de Mestrado em Educação da UnC, o artigo “Fontes para a Nova História do Contestado. Levantamento Preliminar da Bibliografia da Guerra do Contestado”.
Uma lista bibliográfica resumida também consta na página “História: Bibliografia sobre a Guerra do Contestado”, no site do Departamento de Ensino Fundamental da Secretaria da Educação do Estado do Paraná, disponível em [http://www.pr.gov.br/def/historia/bibliog.html].
Bibliografia da Guerra do Contestado
Nas nossas menções, citamos, por exemplo, as obras escritas e publicadas por militares-de-carreira que participaram da Guerra do Contestado, como: o documento A Pacificação do Contestado: Relatório ao Clube Militar (1916), do General Setembrino de Carvalho; as anotações de Antonio Alves Cerqueira em A Jornada de Taquarussú (1919); o escrito de Ezequiel Antunes, em O Contestado entre Paraná e Santa Catharina (1918); as narrativas Campanha do Contestado (1916), de Demerval Peixoto, e A Campanha do Contestado (1917), de Herculano Teixeira d’Assumpção; os livros Apontamentos para a História: O Contestado (1920) e Guerra em Sertões Brasileiros (1931) e, artigos na Revista de Engenharia Militar, de José Octaviano Pinto Soares; e Contestado (1987), de Alcebíades Miranda, todos oficiais do Exército Brasileiro, sem o mínimo conhecimento ou domínio sobre a ciência da História, mas, com trabalhos que servem como fontes importantes, principalmente para a compreensão do pensamento militar.
Fazendo justiça e reverenciando todos aqueles que produziram livros – de História ou não e cada um a seu modo – sobre a temática do “Contestado”, sendo assim considerados também "construtores" da História do Contestado, inclusive os cronistas militares, antes citados, destacamos também Aujor Ávila da Luz, que produziu Os Fanáticos - Crimes e Aberrações da Religiosidade dos Nossos Caboclos (1952), obra reeditada em 2001, e Oswaldo Rodrigues Cabral (João Maria - Interpretação da Campanha do Contestado (1960), obra reeditada sob o nome A Campanha do Contestado (1979), ambos que eram médicos. Já Beneval de Oliveira, que escreveu Planaltos de Frio e Lama - Os Fanáticos do Contestado - O Meio, o Homem, a Guerra (1985) e Marli Auras, em Guerra do Contestado: a Organização da Irmandade Cabocla (1984), têm formação em Filosofia. O sociólogo Octacílio Schüler Sobrinho publicou Taipas. Origem do Homem do Contestado. O Caboclo (2000). A antropóloga Neusa Maria Sens Bloemer publicou Brava Gente Brasileira - Migrantes italianos e caboclos nos campos de Lages (2000), fruto de tese de doutorado em Antropologia. Gualdino Busato editou em Curitibanos o livro Contestado, da Questão de Limites à Guerra Santa (2001) e Átila José Borges publicou Pelados x Peludos: a Guerra do Contestado, em Curitiba (2004).
Temos Maria Isaura Pereira de Queiroz, autora de vários títulos sobre messianismo e um sobre o Contestado, como La "Guerre Sainte” ao Brésil: Le Mouvement Messianique du "Contestado" (1957), mais Mauricio Vinhas de Queiroz, autor de Messianismo e Conflito Social - A Guerra Sertaneja do Contestado (1966) e Duglas Teixeira Monteiro, autor de Os Errantes do Novo Século (1974) e de Um Confronto entre Canudos, Juazeiro e Contestado (1978), como cientistas sociais, que produziram teses de doutoramento transformadas em obras sob o rigor científico, mas sob a ótica da Sociologia. São sacerdotes da Igreja Católica: Thomás Pieters, que produziu muitos textos avulsos em jornais e revistas sobre o Contestado, entre 1977 e 1990, mais Frei Pedro Sinzig, que foi biógrafo de Frei Rogério Neuhaus (1934), Geraldo José Pauwels, que escreveu Contribuição para o Estudo do Fanatismo no Sertão Sulbrasileiro (1933), Benno Brod S.J., autor de Os Messianismo no Brasil (1974) e Frei Aurélio Stulzer, de A Guerra dos Fanáticos 1912-1916 - A Contribuição dos Franciscanos (1982).
Na Literatura, com fundamentos na História, dispomos dos livros de não-historiadores, mas excelentes romancistas, como: Geração do Deserto (1964), de Guido Wilmar Sassi; Eles não Acreditavam na Morte (1978), de Fredericindo Marés de Souza; Império Caboclo (1994), de Donaldo Schüler; Casa Verde - Guerra do Contestado (1981), de Noel Nascimento; O Jagunço - Um episódio da Guerra do Contestado (1978), de Fernando Osvaldo de Oliveira; O Dragão Vermelho do Contestado (1998) e Chica Pelega. Tragédia Histórica (2000), ambos de A. Sanford de Vasconcellos; Glória até o fim - Espionagem Militar na Guerra do Contestado (1998), de Telmo Fortes; Os Rebeldes Brotam da Terra (1995), de Alcides Ribeiro J. da Silva; O Bruxo do Contestado (1996), de Godofredo de Oliveira Neto e Chica-Pelega do Taquaruçu (2000) de Cirila de Menezes Pradi. Obras interessantes, são: Pequena História dos Fanáticos do Contestado (1955), de Brasil Gerson; O Último Jagunço (1995), de Euclides J. Felipe; Lendas Caboclas do Contestado (1989); Demônios do Planalto (1995), de Aracyldo Marques; Odisséia no Contestado (1988), de Evaldo Trierweiler; e História do Monge João Maria (1985), com lendas atribuídas ao monge, de Augusto Waldrigues. Destacamos, ainda: O Canto do Inhambu, de Rudney Otto Pfützenreuter (1991) e Barabas, de Adolfo Boss Júnior (2005).
Na poesia, encontramos Stella Leonardos, em Romanceiro do Contestado (1996); Wellesley Nascimento, que produziu o poema Cântico dos Cânticos do Contestado (1994), o livro Contestado - A Saga dos Bravos (2001) e, ainda, Brasílica Dardânia. Tróia Brasileira (2005); Travessias pelo Sertão do Contestado, de Heloisa Pereira Hübbe de Miranda; Contestado. Pelados versus Peludos. Uma batalha ainda não vencida (2002), poema de Davi J. F. do Vale Amado; Caraguatá - Poemas (1996), de Raquel Naveira; e Romeu de Andrade Lourenção Júnior, com A Cruzada Sertaneja (2004).
Como depoimento pessoal, há A História dos Fanáticos em Santa Catarina (1986), fonte primária, de Alfredo de Oliveira Lemos, e Dídio Augusto (1994), memórias do autor. Há a Voz de Caboclo (2002), com vários depoimentos de remanescentes, sobreviventes da Guerra do Contestado e de descendentes de Taquaruçu, de Pedro Aleixo Felisbino e Eliano Filisbino. Vida heróica. Frederico Grobe. O Homem que viveu o Contestado (2002), de Ermelina Castro, editado por José Romário Grobe. De Curitibanos, temos a interpretação radical sobre o conflito, em Guerra do Contestado: Verdade Histórica (1995), de Walter Tenório Cavalcanti.
Como trabalhos jornalísticos em livros, encontramos os livros: Guerra Camponesa no Contestado (1979), da coleção Passado & Presente, da Global Editora, de Jean Claude Bernardet; Os Rebeldes do Contestado (1987), Desmoronamento do Mundo Jagunço (1986) e Guerra no Contestado (2000), todos de Paulo Ramos Derengoski; e O Contestado - Sangue no Verde do Sertão (1997), de Ângela Bastos. Há, ainda, O Espírito Catarinense do Homem do Contestado (2001), folhetim de Rosa Maria Tesser. Muito importantes e valiosas são as obras Cronografia do Contestado. Apontamentos históricos da Região do Contestado e do Sul do Paraná (2002) e Dicionário de Regionalismos do Sertão do Contestado (2004), ambos do jornalista e professor Fernando Tokarski, de Canoinhas. Recomendamos a leitura da história-em-quadrinhos A Saga do Contestado – Livro I, de Eleutério Nicolau da Conceição (2003).
O tema "Questão de Limites entre Paraná e Santa Catarina", envolvendo a Guerra do Contestado, tem inúmeros escritos de políticos, advogados, jornalistas e historiadores, na grande maioria publicados em livros, no Rio de Janeiro, em Curitiba e em Florianópolis. Além de em livros, o tema "Contestado" consta em muitas reportagens, inseridas em jornais e revistas, principalmente de 1970 para cá. Referindo-se a esta questão, mas, vistas no conjunto do conflito do Contestado, destacamos as obras do jornalista Crispim Mira, como: Confraternização Republicana (1918), A Mediação do Presidente da República – Santa Catarina-Paraná (1915) e Terra Catharinense (1920). Sobre a questão, temos, também: Questão de Limites Paraná-Santa Catharina. Actos e Factos (1916), de Alencar Guimarães; Paraná e Santa Catharina. O voto do Ministro Pedro Lessa (1910), de Ermelino de Leão; Exposição Historico-Juridica por parte do Estado de Santa Catharina sobre a questão de limites com o Estado do Paraná (1899) e Acção Ordinaria Originaria nº 6. Autor: o Estado de Santa Catharina. Réo: o Estado do Paraná. Questão de Limites (1900), ambos de Manoel da Silva Mafra;. Argumentos e Subsidios sobre a Questão de Limites entre o Paraná e Santa Catharina (1902) e O Litigio em face do accordam de 6 de julho de 1904 (1904), ambos de Romário Martins; Questão de Limites entre o Paraná e Santa Catharina (1887), de Jacques Ourique; Questão de Limites entre os Estados do Paraná e Santa Catharina. Memoria por parte do Estado do Paraná. Expositiva dos Documentos e Mappas colligidos e classificados em 1905 pelo Conselheiro Carlos Augusto de Carvalho (1906) de Manoel Coelho Rodrigues; A União do Paraná e Santa Catarina. O Estado do Iguassú (1917), de Sylvio Roméro; Algumas considerações político-jurídicas sobre o Contestado (1988), de Aluízio Blasi, foi publicado como separata da Revista Jurisprudência Catarinense, n. 58; Um Cambalacho Político. A verdade sobre o “acordo” de Limites Paraná-Santa Catarina (1987), de Licurgo Costa. Encontramos, ainda, diversos autores de Caçador, e muitos artigos publicados mais recentemente na imprensa estadual por Dante Martorano, Fernando Luiz Tokarski e Eneas Athanazio.
A Guerra do Contestado está inserida, como capítulos, em muitos livros que tratam da história estadual, como em: História de Santa Catarina (1968 e 1970), de Oswaldo Rodrigues Cabral; Santa Catarina: Sua História (1983), de Walter F. Piazza; Retratos de Santa Catarina (1998), de Salomão A. Ribas Júnior; Santa Catarina - História da Gente (1988) de Walter F. Piazza e Laura Machado Hübener; Santa Catarina: 100 Anos de História (1997), de Celestino Sachet e Sérgio Sachet; Catarinensismos (1974), de Theobaldo Costa Jamundá; República e Oligarquias (1997), de Jali Meirinho; Nova História de Santa Catarina (1974), de Silvio Coelho dos Santos; Santa Catarina no Século XX (1999), ensaios de Sílvio Coelho dos Santos, Alcides Abreu, Carlos Humberto Corrêa, Hoyêdo Nunes Lins e Paulo Fernando Lago.
Sínteses da Guerra do Contestado em História Social, produzidas por historiadores com diplomas em História são encontradas em: Os Guerrilheiros do Contestado (1989), da coleção Lutas do Nosso Povo, da Editora do Brasil, de Renato Mocellin; Contestado: A Guerra do Novo Mundo (1983), da coleção Tudo é História, da Brasiliense, de Antonio Pedro Tota; Da Cidade Santa à Corte Celeste - Memórias de Sertanejos e a Guerra do Contestado (1998), fruto da dissertação de Delmir José Valentini; Ecos do Contestado. Rebeldia Sertaneja (2002), produto de dissertação de Mestrado em História Social, de Eloy Tonon; A Guerra do Contestado (1999), de Élio Serpa; Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas, de Paulo Pinheiro Machado (2004); e O Contestado; o sonho do milênio igualitário, de Ivone Cecília d'Ávila Gallo (1991).
Dentro das obras editadas no Paraná, há O Contestado Diante das Carabinas (1920), de Cleto da Silva. Na Estante Paranista, temos: Contestado: Distorções e Controvérsias (1987), de Mario Marcondes de Albuquerque; e O Presidente Carlos Cavalcanti e a Revolta do Contestado (1987), de Fredericindo Marés de Souza. Ainda de Curitiba, a publicação Combate do Irani (1998), de João Alves da Rosa Filho e Campanha do Contestado (1998), do mesmo João Alves da Rosa Filho, da Polícia Militar do Paraná. Já Marilene Weinhardt, produziu Mesmos crimes, outros discursos? algumas narrativas sobre o Contestado (2000), analisando as características de ficcionistas que escreveram sobre o assunto. Há, também, O Contestado (1995), de Eduardo José Afonso. O tema está, também, como capítulo, na História do Paraná (1976), de Ruy Christovam Wachowicz.
Existem inúmeros ensaios, de diferentes autores, publicados nas revistas oficiais do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (de Florianópolis), do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (de Curitiba) e nas revistas científicas Roteiro (da Unoesc-Joaçaba), Cadernos do CEOM (Unoesc-Chapecó), Revista do CPD (da antiga FEARPE, de Caçador), Cadernos de Cultura (1984) da Fundação Catarinense de Cultura, Ágora e Iniciação Científica (UnC) e na Revista Blumenau em Cadernos. O tema foi enfocado com relativo destaque, no passado, pela revista O Cruzeiro e, mais recentemente, por revistas populares, como a Isto É, a Super Interessante, a Nossa História (Paulo Pinheiro Machado, na ed. n. 10, agosto 2004) e a História Viva (Nilson Thomé, na ed. n. 12, outubro 2004).
Em História Local e História Regional, encontramos a Guerra do Contestado focalizada em muitas obras, dentre as quais citamos: O Continente das Lagens (1982), de Licurgo Costa; Concórdia: O Rastro de sua História (1992), de Antenor Geraldo Zanetti Ferreira; Campos Novos - Um pouco de sua História (1994), de Paulo Blasi; Apontamentos Históricos de União da Vitória (1933), de Cleto da Silva; Curitibanos na História do Contestado (1977), de Zélia de Andrade Lemos; Videira nos Caminhos de sua História (1996), de Alzira Scapin; Fraiburgo - Do Machado ao Computador (1994), de Thomas J. Burke; Capinzal - Fronteiras Sócio-Econômicas (1994), de Holga Brancher; Italianos e Ítalo-Brasileiros na Colonização do Oeste Catarinense (1997), de José Carlos Radin; A Questão de Palmas entre Brasil e Argentina e o Início da Colonização do Baixo Vale do Rio do Peixe (1996), de Adelar Heinsfeld; O Oeste Catarinense - Memória de um Pioneiro (1987), de José Waldomiro Silva; Monografia de Porto União, por Hermínio Millis (2002), organizado por José Fagundes e Joaquim Osório Ribas; Marcelino Ramos. A guerra e o pós-guerra do Contestado (2002), de Wilmar Wilfrid Rübenich; História de Rio Negro. Estado do Paraná (1976), de Raul d’Almeida; e História de Herval d’Oeste (2003) de Cylo Sérgio Dariva.
Importantíssimo para projetar a Guerra do Contestado no cenário nacional foi a edição do álbum O Contestado, pelo Governo do Estado de Santa Catarina e Fundação Roberto Marinho em 1987 (reeditado em 1998 pelo Senado Federal e, em 1999 e em 2000, pela Imprensa Oficial de Santa Catarina), ricamente ilustrado, apresentado por Américo Jacobina Lacombe, com os textos: A Questão do Contestado, de Herculano Gomes Mathias; Contestado - Uma Reflexão, de Walter F. Piazza; e A Insurreição Xucra do Contestado, de Nilson Thomé.
No ano 2000, destacou-se a mega-produção O Contestado, de Celestino Sachet e Sérgio Sachet, que contou com a consultoria histórica de Nilson Thomé, para o grupo RBS/TV (Rede Brasil Sul de Televisão, afiliada da Rede Globo), Diário Catarinense, de Florianópolis, e Jornal de Santa Catarina, de Blumenau, iniciada em março de 2000 e concluída em fevereiro de 2001, resultando em 180 capítulos sobre o tema, apresentados em mini-programas de televisão, dezenas de textos que foram distribuídos em 98 páginas de 12 suplementos mensais do jornal, com circulação estadual, depois republicados em um único suplemento. O trabalho resultou na edição de livro de Celestino Sachet e Sérgio Sachet, que levou o nome O Contestado (2001).
Nas universidades brasileiras, já existem algumas novas monografias, dissertações e teses sobre aspectos do Contestado, ao mesmo tempo em que cresce a cada ano o número de graduandos, especialistas, mestrandos e doutorandos que estão pesquisando o tema. Por exemplo: Educação: dominação e liberdade na guerra santa do Contestado (2002), produto da dissertação de Mestrado em Educação, de Maria da Salete Sachweh, de Canoinhas, também já editada em livro. Em 1998, na UFRGS, Márcia Janet Espig dissertou sobre A Presença da Gesta Carolíngia no Movimento do Contestado. Duas outras dissertações enfocam o Contestado: Terras Públicas e Particulares: o impacto do capital estrangeiro sobre a institucionalização da propriedade privada (1983) de Rosângela Cavalazzi da Silva, na UFSC, e, de Walmir da Silva Pereira, A Ferrovia São Paulo-Rio Grande e os Índios Xokleng em Santa Catarina (1995), também na UFSC. Em 1999, como monografia de especialização em Jornalismo na UEPG, Karina Janz Woitowicz apresentou História, Mídia & Memória - A Construção da Guerra do Contestado na Imprensa e no Imaginário Contemporâneo. No ano 2000, encontramos a dissertação Duas Instituições e um Projeto: Igreja, Escola e Nacionalização no Vale do Rio do Peixe em Santa Catarina - 1917-1945, desenvolvido pela caçadorense Ecleides de Fátima Bleichuvel no Programa de Mestrado em História da PUC-RS.
Sabemos estar em andamento a realização de mais algumas pesquisas de cunho científico sobre o tema “Contestado”, nos programas de Pós-Graduação, de Mestrado e Doutorado, em universidades brasileiras, as quais, muito certamente, trarão à luz novas valiosas informações a respeito da Guerra do Contestado. Recentemente, em Florianópolis e em Curitiba, foram publicadas outras obras sobre o “Contestado”, em Literatura e em História, não constantes nesta relação. Deixamos de apresentá-las aqui, por não conhecê-las em tempo hábil que possibilitasse sua inclusão.
Dentre nossas próprias publicações até 1992, além da produção de dezenas de ensaios para revistas e artigos para jornais, destacamos os livros: Trem de Ferro - História da Ferrovia no Contestado (1980 e 1983), Civilizações Primitivas do Contestado (1981), Guerra Civil em Caçador (1984 e 1985), A Aviação Militar no Contestado (1986), A Insurreição Xucra do Contestado (1987) e Sangue, Suor e Lágrimas no Chão Contestado (1992) e, mais dez livretes (todos em 1984): Origens e Etnias dos Desbravadores do Alto Vale do Rio do Peixe, Caçador na Campanha do Contestado, Frei Rogério Neuhaus - O Apóstolo do Contestado, A Revolução Federalista na Região do Contestado, Caboclo Pardo: O Homem do Contestado, Cultura e Tradições do Homem do Contestado, Formação Antropológica do Homem do Oeste Catarinense, O Espírito Guerreiro do Caboclo do Contestado, e Canoinhas na Mira dos Mosquetões. Além destas obras, também publicamos outros livros, voltados mais especificamente à História de Caçador, como: Isto é Caçador - Estudo Histórico e Geográfico do Município (1978) e Família Correa de Mello - Raízes Históricas de Caçador (1982 e 1983).
Paralelamente às nossas atividades na imprensa e no magistério, a partir de 1992, continuamos dedicando-nos à pesquisa, atividade que rendeu mais livros, alguns enfocando Caçador, outros o Contestado e, ainda, outros ligando Caçador e o Contestado, como: História da Imigração Italiana em Caçador (1993), Rio Branco e o Contestado - Questão de Limites Brasil-Argentina (1993), Colégio Aurora - Uma Visão Histórica (1993), Caçador - No Coração do Contestado (1994), O Velho Caçador (1994), Ciclo da Madeira - História da Devastação da Floresta da Araucária e do Desenvolvimento da Indústria da Madeira em Caçador na Região do Contestado no Século XX (1995), São João Maria na História do Contestado (1997), História da Educação Superior em Caçador, em três volumes: Raízes (1998), Afirmação (1998) e Consolidação (1998) e Os Iluminados - Personagens e Manifestações Místicas e Messiânicas do Contestado (1999).
Além destes títulos, disponibilizados ao público, no decorrer da nossa jornada na década de 1990, concluímos outros trabalhos, ainda não publicados, ao mesmo tempo em que iniciamos novas pesquisas. Em fevereiro de 2001, por exemplo, concluímos a pesquisa iniciada em 1999, A Política no Contestado - Contribuição ao Estudo da Formação Política da Região do Contestado em Santa Catarina - da Proclamação da República à Redemocratização de 1946. Esta pesquisa resultou na imediata produção de dois novos livros: Primeira História da Educação Escolar na Região do Contestado - Da instrução das primeiras letras no tempo do Império à conquista do ensino superior nos anos dourados (2002) e A Política no Contestado - Do Curral da Fazenda ao Pátio da Fábrica. Do Coronelismo ao Neocoronelismo - 1881-1970 (2002).
Em 2002, elaboramos o ensaio A (Falta de) Educação Escolar na Região do Contestado, inserido como capítulo do livro “Temas de Pesquisas em Educação” (2003) e, em seguida, produzimos o livro Pioneirismo da Imigração Alemã em Santa Catarina, na Região do Contestado. Revisão da História do Pioneirismo da Imigração Alemã em Santa Catarina pelo Resgate da Memória da Colonização Alemã na Região do Contestado (2004). Também publicamos Uma nova História para o Contestado (2004) e Breve História da Guerra do Contestado (2005).
Depois de quase trinta anos – três décadas! – de pesquisas e publicações, foi em 1999, que constatamos três realidades:
- A primeira, que dezenas de problemas históricos continuavam sem solução, ou seja, que diversos fatos a respeito do Contestado precisavam ser melhor elucidados e, assim, chamavam ao aprofundamento dos estudos sobre eles.
- A segunda, que o conhecimento por nós acumulado era superior ao conhecimento que tínhamos divulgado, ou seja, constatamos que ainda dispúnhamos de uma bagagem guardada, com conteúdos históricos sobre o Contestado, infinitamente superiores em número, gênero, grau e valor, ao que já havíamos divulgado ao longo do tempo.
- A terceira, que continuavam proliferando novos escritos sobre o Contestado, com outros desavisados autores estereotipando erros e inverdades históricas a respeito de determinados fatos, muitos deles que nós já havíamos reavaliado, mas que ainda não estavam publicados, por falta de oportunidade.
Estas três constatações induziram-nos à teimosa manutenção do Projeto Resgate da Memória do Contestado – com ou sem o desejável apoio externo – pela condução dos trabalhos em duas frentes, simultâneas e paralelas. Uma, mais imediata, marcando o início da construção da Nova História do Contestado, através de pequenas publicações, enfocando variados aspectos do Contestado, com o aproveitamento, ainda que parcial, da nossa bagagem acumulada, para disseminar o conhecimento a curto prazo. Outra, mais paciente, pelo aprofundamento de estudos sobre determinados e relevantes temas, eleitos como problemas que exigiam mais tempo e dedicação à pesquisa, assim provocando nosso retorno às fontes primárias, tanto às conhecidas como à busca de outras.
Para suprir, ainda que em parte, a carência de disponibilidade bibliográfica sobre o tema Contestado, entre 1999 e 2002 permitimo-nos elaborar uma multiplicidade de novos textos, dentro de uma coleção que intitulamos "Memória do Contestado". Este conjunto, reunindo 50 ensaios, com diferentes temas e enfoques, destinados à ampliação do conhecimento, à disseminação de novas informações, à provocação de reflexões e à promoção de debates sobre nossa História Regional, veio para atender a missão do nosso Projeto "Resgate da Memória do Contestado". Observando detalhes do passado da região, em nossas pesquisas encontramos acontecimentos suficientes para modificar muitas das versões antes propagadas, novidades que precisam ser apresentadas para que o “novo” seja exposto ao domínio público.
Idealizada para promover a divulgação dos nossos trabalhos científicos, que alicerçam a Nova História do Contestado, a coleção contempla micro-histórias, sínteses históricas e esboços históricos, produzidos em série, compondo partes, que proporcionam uma seqüência lógica na linha de tempo histórico. Se incorporarmos o tempo da nossa vida dedicado aos estudos e às publicações anteriores sobre o tema Contestado, podemos afirmar que a Nova História do Contestado levou trinta anos para ser esboçada, agora apresentando-se em três momentos: 1/3 tratando de temas que têm referências aos principais problemas que geraram acontecimentos considerados causas do conflito; 1/3 abordando especificamente os eventos da Guerra do Contestado; e os restantes 1/3, enfocando fenômenos resultantes de alguns aspectos da continuidade da História, assim chegando ao tempo presente.
A Coleção "Memória do Contestado" também traz de volta alguns textos deste autor, já conhecidos por terem sido inseridos em publicações anteriores, na maioria com suas edições esgotadas, mas, agora, não reproduzidos de forma simplesmente repetitiva, e, sim, aproveitados em partes, corrigidos, desta vez utilizados para novas análises e narrativas, sob outros pontos-de-vista. Qual pessoa não lembra suas realizações no passado e que, se pudesse voltar no tempo, corrigiria alguma coisa, porque esqueceu algo, perdeu algum elemento ou errou em certos procedimentos? Foi o que aproveitamos para fazer a partir de julho de 1999, ao levarmos a efeito o conjunto de pesquisas específicas que resultou, simultaneamente, na revisão dos textos antigos e na produção das dezenas dos novos conteúdos inseridos nesta coleção. Renovar-se constantemente faz parte do nosso raciocínio lógico propulsor colocado a serviço da História, como esta vontade ou desejo do homem de voltar atrás, para rever ou refazer, quando necessário. Aqui, está uma modalidade diferente de se construir História, dinâmica e renovada.
Todo o conteúdo dos nossos escritos reflete única e exclusivamente a visão histórica deste pesquisador sobre o passado e o presente da Região do Contestado. Despidos de quaisquer comprometimentos, sentindo-nos inteiramente à vontade, permitimo-nos ser críticos e assumimos a responsabilidade sobre a exposição da nossa versão, até por que os projetos têm sido idealizados e planejados apenas por nós, desenvolvidos e produzidos sem interferências de quem quer que seja.
José Honório Rodrigues escreveu que a História precisa olhar a floresta e não apenas as árvores, oferecendo uma interpretação generalizadora que ajude os vivos a compreender as raízes do presente. E Thompson diz que “...tive de começar pelo começo e reconstruir a administração da floresta em 1723. (...) Assim, mais uma vez, foi preciso reconstruir o contexto episcopal antes de se poder ver os Negros dentro dele” (p. 16). Este olhar para o todo da floresta e não apenas para as partes que a compõem, expressão tanto de Rodrigues como de Thompson, vem de encontro ao pensamento marxista, que indica a compreensão do singular a partir da apreensão do universal. Busca-se a totalidade e se enfoca a universalidade do tema, disposto no campo maior, para alcançar a particularidade e analisar sua singularidade no campo restrito.
Uma História deve ser total, da sociedade total, sob pena de não ser compreendida e se limitar a uma simples enumeração de fatos, números ou leis. A História, para ser total, deve não apenas enunciar fatos e acontecimentos, mas buscar as relações entre eles, desde as transformações econômicas às manifestações literárias, jurídicas ou mesmo artísticas. A História de um povo constitui um todo indivisível, sob pena de se transformar em mera divagação artística ou literária, sem nenhuma contribuição ao futuro desse povo (BASBAUM, 1957, p. 7).
Referências Bibliográficas
BASBASUM, Leôncio. História Sincera da República. Das Origens até 1889 (Tentativa de Interpretação Marxista). Rio: São José, 1957.
CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (Org.). Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metedologia. Rio:Campus, 1997.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. Trad. Cid Knipel Moreira. 5 reimpressão. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
LAPA, José Roberto do Amaral. Historiografia Brasileira Contemporânea; a história em questão. Petrópolis: Vozes, 1981.
RODRIGUES, José Honório. História e Historiadores do Brasil. São Paulo: Fulgor, 1965.
THOMÉ, Nilson. A Valorização dos Caçadores diante dos Senhores. Tributo a Teoria e Método de Edward Thompson. In: “Revista Série-Estudos”, ISSN 1414-5138, do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, de Campo Grande (MS). n. 18, julho-dezembro de 2004.
THOMÉ, Nilson. A História do Contestado pelo viés do Cultural.. In: Anais do II Seminário Regional de História – História, Cultura e Diversidades, realizado na cidade de Palmas (PR), de 15 a 17 de setembro de 2004, promoção do Centro Universitário Diocesano do Sudoeste do Paraná – UNICS, de Palmas. ISSN 1679-3544. Palmas: UNICS, v. 1, n. 2, 2004, p. 114-128.
THOMPSON, Edward Palmer. Senhores e Caçadores. A Origem da Lei Negra. Trad. Denise Bottmann. 2 ed. Col. Oficinas da História. Rio: Paz e Terra, 1997.
sábado, 14 de fevereiro de 2009
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
quinta-feira, 31 de maio de 2007
Breve História da Guerra do Contestado - V
O FINAL DE UMA HISTÓRIA (conclusão)
Dissolvida a Expedição do General Setembrino em abril, nos
meses que se seguiram, até dezembro de 1915, as remanescentes
forças militares do Exército e da Polícia de Santa Catarina realizaram
a chamada “Operação Varredura”, destinada a caçar e eliminar
todos os sobreviventes caboclos que haviam liderado piquetes ou se
destacado nos combates. Ficaram famosos os fuzilamentos coletivos
ocorridos em Perdizinhas e em Butiá Verde, com os cadáveres sendo
queimados em meio a grimpas de pinheiros e sepultados entre cercas
de taipas de pedras. Com a prisão de Adeodato Ramos, em janeiro de
1916, sem mais liderança, pouco restou dos grupos rebeldes.
Ao final do conflito, levantaram-se oficialmente as baixas nos
efetivos legalistas militares e civis: de 800 a 1.000, entre mortos,
feridos e desertores. Por outro lado, estimaram-se as baixas na
população civil revoltada: de 5.000 a 8.000, entre mortos, feridos e
desaparecidos. O custo da Guerra do Contestado para a União foi de
cerca de Rs.3.000:000$000, mais os soldos militares.
Com a vitória, quem mais ganhou com o conflito foi o Exército
Brasileiro que, vindo de desgastes anteriores desde a Guerra do
Paraguai, Campanha de Canudos e participações desarticuladas,
desorganizadas e desastrosas nas intervenções em diversos Estados da
incipiente República, passou a se apresentar como uma organização
nacionalista, sólida e responsável, digno de respeito, assim abrindo
caminho para – conforme a pregação de Olavo Bilac – a instituição do
Serviço Militar no Brasil.
Cessados os combates na região, em agosto de 1916, no Rio de
Janeiro, os governadores do Paraná e de Santa Catarina assinaram um
“Acordo de Limites”, dividindo entre si o Território Contestado. Com
isso, após a homologação do documento pelos legislativos estaduais,
os catarinenses assumiram de fato a administração das terras ao Sul
dos rios Negro e Iguaçu, nos vales dos rios Timbó, Timbozinho, Paciência
e Canoinhas e a Oeste do Rio do Peixe.
Em 19 de janeiro de 1918, a União anistiou todos os envolvidos.
A Guerra do Contestado começaria a entrar para a História do
Brasil do Século XX.
O Estado de Santa Catarina encontrou muitas dificuldades
para desencadear seu plano de povoamento nas terras que lhe foram
anexadas por força do acordo, à vista da sobreposição de títulos sobre
as glebas demarcadas e destinadas à colonização. Como grande parte
dos imóveis haviam sido legitimados pelo Paraná, antes de 1916,
Parte do piquete civil de Pedro Ruivo, formado por caboclos catarinenses e
paranaenses, considerados “peludos”, a serviço do Exército, num momento de
desconcentração, antes de entrar em combate na região do Timbó.
tanto à Companhia EFSPRG como a fazendeiros e a especuladores
paranaenses, as questões foram levadas aos tribunais. O Governo Catarinense
perdeu todas as ações judiciais movidas contra a Cia. Estrada
de Ferro São Paulo Rio-Grande.
O Governo estadual escolheu como sistema de colonização
do Território Contestado a cessão de imensas glebas a particulares,
preferencialmente àqueles que compartilhavam o poder político e
se propunham à abertura de estradas, titulando-lhes, em parte, as
mesmas terras que o Paraná havia concedido à EFSPRG. As ligações
rodoviárias foram eleitas como de fundamental importância para a
integração catarinense. A década de 1920 marcaria o início da introdução
da modernidade, da efetiva ocupação e do desenvolvimento
do Planalto Catarinense, integrando o sertão à faixa litorânea. Entre
outros resultados, sobressaíram-se a indústria madeireira e o modelo
agrícola minifundiário e policultor, que gerou a agro-indústria.
Efetivamente, o desenvolvimento econômico na Região do Contestado
começou quando da chegada das primeiras levas de imigrantes
europeus, alemães, italianos, poloneses e ucranianos, e de descendentes
de imigrantes, na maioria ítalo-brasileiros e teuto-brasileiros, que
vieram tanto para explorar a floresta, em latifúndios, implantando a
indústria da madeira, como trabalhar na agricultura, em minifúndios.
As propriedades destinadas à colonização foram divididas em
colônias e, em pouco tempo, os núcleos coloniais transformaram-se
em povoados. No Setor Ocidental da Região do Contestado, ao longo
do Vale do Rio do Peixe, estes núcleos, mais os antigos arraiais,
prosperaram, com o que surgiram novas vilas, algumas delas que se
elevaram à categoria de cidades, como Caçador, Videira, Tangará, Capinzal,
Piratuba, num primeiro momento, e Rio das Antas, Pinheiro
Preto, Ibicaré, Treze Tílias, Lacerdópolis, Ouro e Ipira, logo em seguida.
Destes, mais tarde, nasceram Macieira, Salto Veloso, Arroio Trinta,
Luzerna, Iomerê e Jaborá. No Alto Uruguai despontou Concórdia,
do qual também originaram-se os municípios de Presidente Castelo
Branco, Lindóia do Sul, Ipumirim, Arabutã e Alto Bela Vista.
Em áreas pouco contempladas com projetos de colonização, nos
antigos Campos de Palmas-de-Baixo prosperaram as cidades de Água
Doce, Catanduvas, Irani e Ponte Serrada. Já Matos Costa surgiu nos
antigos Campos de São João, e Calmon nos Campos de São Roque.
Fraiburgo originar-se-ia na área do Campo da Dúvida, Taquaruçu e
Butiá Verde, enquanto que Lebon Régis, Santa Cecília e Timbó Grande
foram as primeiras cidades na Serra do Espigão. O Município de
Campos Novos logo cedeu terrenos também para a formação dos municípios
de Herval d’Oeste, Erval Velho e Monte Carlo. Em seguida,
para Brunópolis, Vargem, Abdon Batista, Zortea e Ibiam. Curitibanos
manteve a integridade territorial por muito anos, até que cedeu terras
para Correia Pinto e Ponte Alta, depois para São Cristóvão do Sul,
Ponte Alta da Norte e Frei Rogério.
Completando o desenvolvimento municipal na Região do Contestado,
temos que, no Planalto Norte, desmembrados de Porto União,
Canoinhas e Mafra, surgiram os municípios de Três Barras, Irineópolis,
Papanduva, Major Vieira, Monte Castelo e Bela Vista do Toldo.
Para a posteridade, o Homem do Contestado legou a Santa
Catarina uma herança cultural que inclui: uma lição de valentia e de
bravura, não se submetendo à tirania e à opressão, preferindo lutar e
morrer tentando ser livre; a consolidação do exemplar regime de minifúndios
policultores, provando a todos a possibilidade de, mesmo
pequeno, ser grande; o nobre sentimento de defesa de seu patrimônio
ambiental, desde quando o equilíbrio ecológico passou a ser ameaçado
pela devastação; finalmente, uma contribuição ímpar na descoberta
de caminhos para levar os catarinense a conquistar a sua cidadania
através da ação comunitária.
Dissolvida a Expedição do General Setembrino em abril, nos
meses que se seguiram, até dezembro de 1915, as remanescentes
forças militares do Exército e da Polícia de Santa Catarina realizaram
a chamada “Operação Varredura”, destinada a caçar e eliminar
todos os sobreviventes caboclos que haviam liderado piquetes ou se
destacado nos combates. Ficaram famosos os fuzilamentos coletivos
ocorridos em Perdizinhas e em Butiá Verde, com os cadáveres sendo
queimados em meio a grimpas de pinheiros e sepultados entre cercas
de taipas de pedras. Com a prisão de Adeodato Ramos, em janeiro de
1916, sem mais liderança, pouco restou dos grupos rebeldes.
Ao final do conflito, levantaram-se oficialmente as baixas nos
efetivos legalistas militares e civis: de 800 a 1.000, entre mortos,
feridos e desertores. Por outro lado, estimaram-se as baixas na
população civil revoltada: de 5.000 a 8.000, entre mortos, feridos e
desaparecidos. O custo da Guerra do Contestado para a União foi de
cerca de Rs.3.000:000$000, mais os soldos militares.
Com a vitória, quem mais ganhou com o conflito foi o Exército
Brasileiro que, vindo de desgastes anteriores desde a Guerra do
Paraguai, Campanha de Canudos e participações desarticuladas,
desorganizadas e desastrosas nas intervenções em diversos Estados da
incipiente República, passou a se apresentar como uma organização
nacionalista, sólida e responsável, digno de respeito, assim abrindo
caminho para – conforme a pregação de Olavo Bilac – a instituição do
Serviço Militar no Brasil.
Cessados os combates na região, em agosto de 1916, no Rio de
Janeiro, os governadores do Paraná e de Santa Catarina assinaram um
“Acordo de Limites”, dividindo entre si o Território Contestado. Com
isso, após a homologação do documento pelos legislativos estaduais,
os catarinenses assumiram de fato a administração das terras ao Sul
dos rios Negro e Iguaçu, nos vales dos rios Timbó, Timbozinho, Paciência
e Canoinhas e a Oeste do Rio do Peixe.
Em 19 de janeiro de 1918, a União anistiou todos os envolvidos.
A Guerra do Contestado começaria a entrar para a História do
Brasil do Século XX.
O Estado de Santa Catarina encontrou muitas dificuldades
para desencadear seu plano de povoamento nas terras que lhe foram
anexadas por força do acordo, à vista da sobreposição de títulos sobre
as glebas demarcadas e destinadas à colonização. Como grande parte
dos imóveis haviam sido legitimados pelo Paraná, antes de 1916,
Parte do piquete civil de Pedro Ruivo, formado por caboclos catarinenses e
paranaenses, considerados “peludos”, a serviço do Exército, num momento de
desconcentração, antes de entrar em combate na região do Timbó.
tanto à Companhia EFSPRG como a fazendeiros e a especuladores
paranaenses, as questões foram levadas aos tribunais. O Governo Catarinense
perdeu todas as ações judiciais movidas contra a Cia. Estrada
de Ferro São Paulo Rio-Grande.
O Governo estadual escolheu como sistema de colonização
do Território Contestado a cessão de imensas glebas a particulares,
preferencialmente àqueles que compartilhavam o poder político e
se propunham à abertura de estradas, titulando-lhes, em parte, as
mesmas terras que o Paraná havia concedido à EFSPRG. As ligações
rodoviárias foram eleitas como de fundamental importância para a
integração catarinense. A década de 1920 marcaria o início da introdução
da modernidade, da efetiva ocupação e do desenvolvimento
do Planalto Catarinense, integrando o sertão à faixa litorânea. Entre
outros resultados, sobressaíram-se a indústria madeireira e o modelo
agrícola minifundiário e policultor, que gerou a agro-indústria.
Efetivamente, o desenvolvimento econômico na Região do Contestado
começou quando da chegada das primeiras levas de imigrantes
europeus, alemães, italianos, poloneses e ucranianos, e de descendentes
de imigrantes, na maioria ítalo-brasileiros e teuto-brasileiros, que
vieram tanto para explorar a floresta, em latifúndios, implantando a
indústria da madeira, como trabalhar na agricultura, em minifúndios.
As propriedades destinadas à colonização foram divididas em
colônias e, em pouco tempo, os núcleos coloniais transformaram-se
em povoados. No Setor Ocidental da Região do Contestado, ao longo
do Vale do Rio do Peixe, estes núcleos, mais os antigos arraiais,
prosperaram, com o que surgiram novas vilas, algumas delas que se
elevaram à categoria de cidades, como Caçador, Videira, Tangará, Capinzal,
Piratuba, num primeiro momento, e Rio das Antas, Pinheiro
Preto, Ibicaré, Treze Tílias, Lacerdópolis, Ouro e Ipira, logo em seguida.
Destes, mais tarde, nasceram Macieira, Salto Veloso, Arroio Trinta,
Luzerna, Iomerê e Jaborá. No Alto Uruguai despontou Concórdia,
do qual também originaram-se os municípios de Presidente Castelo
Branco, Lindóia do Sul, Ipumirim, Arabutã e Alto Bela Vista.
Em áreas pouco contempladas com projetos de colonização, nos
antigos Campos de Palmas-de-Baixo prosperaram as cidades de Água
Doce, Catanduvas, Irani e Ponte Serrada. Já Matos Costa surgiu nos
antigos Campos de São João, e Calmon nos Campos de São Roque.
Fraiburgo originar-se-ia na área do Campo da Dúvida, Taquaruçu e
Butiá Verde, enquanto que Lebon Régis, Santa Cecília e Timbó Grande
foram as primeiras cidades na Serra do Espigão. O Município de
Campos Novos logo cedeu terrenos também para a formação dos municípios
de Herval d’Oeste, Erval Velho e Monte Carlo. Em seguida,
para Brunópolis, Vargem, Abdon Batista, Zortea e Ibiam. Curitibanos
manteve a integridade territorial por muito anos, até que cedeu terras
para Correia Pinto e Ponte Alta, depois para São Cristóvão do Sul,
Ponte Alta da Norte e Frei Rogério.
Completando o desenvolvimento municipal na Região do Contestado,
temos que, no Planalto Norte, desmembrados de Porto União,
Canoinhas e Mafra, surgiram os municípios de Três Barras, Irineópolis,
Papanduva, Major Vieira, Monte Castelo e Bela Vista do Toldo.
Para a posteridade, o Homem do Contestado legou a Santa
Catarina uma herança cultural que inclui: uma lição de valentia e de
bravura, não se submetendo à tirania e à opressão, preferindo lutar e
morrer tentando ser livre; a consolidação do exemplar regime de minifúndios
policultores, provando a todos a possibilidade de, mesmo
pequeno, ser grande; o nobre sentimento de defesa de seu patrimônio
ambiental, desde quando o equilíbrio ecológico passou a ser ameaçado
pela devastação; finalmente, uma contribuição ímpar na descoberta
de caminhos para levar os catarinense a conquistar a sua cidadania
através da ação comunitária.
Breve História da Guerra do Contestado - IV
A Guerra do Contestado (1913-1916) - Fase final
Banditismo no Contestado
Durante o rigoroso inverno de 1914, quando na região as
temperaturas alcançam 10 graus centígrados negativos e há ocorrências
de geadas e nevascas, os caboclos se organizaram, iniciando uma fase
de banditismo ao atacar as fazendas para roubar gado e grãos e para
arregimentar pessoal para reforçar os redutos. Na medida em que
se armavam e municiavam, intensificaram os ataques. Fortemente
guarnecida, a cidade catarinense de Canoinhas foi alvo de diversas
investidas de grupos comandados por Antonio Tavares Júnior e
Bonifácio Papudo, sem êxito, a maior delas em julho. Na área do
Paraná, piquetes de Henrique Wolland, o “Alemãozinho”, ocuparam
Papanduva de 27 de agosto a 3 de setembro. No dia seguinte, o ataque
foi dirigido a Itaiópolis. Quando a serraria da Lumber Company de
Três Barras foi ameaçada, seus diretores pediram proteção e, como
esta localidade era vizinha a Canoinhas, mas sob administração
paranaense, não foi mais possível ao Paraná deixar de se envolver
diretamente no conflito.
Atendendo aos apelos dos governantes dos dois Estados, o
Ministério da Guerra chamou o General Setembrino de Carvalho, que
estava atuando na pacificação dos rebeldes do Padre Cícero, como Interventor
no Ceará. Quando ele começou a organizar sua expedição,
ainda no Rio de Janeiro, os caboclos se lançaram à ofensiva, sob o comando
de Francisco Alonso e Venuto Baiano. No dia 5 de setembro a
serraria e os depósitos de madeira da Lumber Company, de Calmon,
foram incendiados, do ataque resultando em apenas um sobrevivente.
No dia seguinte, aconteceu o ataque ao povoado de São João. A composição
ferroviária, saída de Porto União da Vitória com um destacamento
militar sob o comando do Capitão Matos Costa para socorrer
Calmon, foi atacada e praticamente dizimada quando chegava a São
João, registrando-se a baixa do comandante. Os ataques alcançaram
todas as estações ferroviárias, fazendas e lugarejos ao Norte de Rio
Caçador. Assustada, a maioria da população de Porto União da Vitória
fugiu para Ponta Grossa. A investida contra o Capitão Matos Costa
foi condenada pelo Conselho de Comandantes que, em represália,
determinou a execução do mentor do assalto, Venuto Baiano.
P i q u e t e s sob o comando de Agostín Saraiva investiram contra
Curitibanos, onde incendiaram parte das casas, expulsaram
as autoridades e ocuparam a cidade por três dias. Dali, dirigiram-
se para os campos de Lages, levando o pânico à população campeira,
até que “Castelhano”foi morto por populares.
Outros piquetes saíam do Timbó em direção aos campos do
Corisco, investindo contra fazendeiros de Santa Cecília. No dia 2 de
novembro, o piquete de Chico Alonso atacou a colônia alemã de Rio
das Antas. Ali, Alonso foi assassinado por Adeodato Ramos, que
assumiu o comando do grupo e, a partir de então, revelou-se como
o mais temido chefe de redutos, superando o poder de Maria Rosa,
que foi destituída do comando geral.
Expedição Setembrino
Em Curitiba, o General Setembrino de Carvalho organizou
seu Quartel General, mobilizando boa parte do Exército Brasileiro.
Chamou seis regimentos de Infantaria, dez batalhões de caçadores,
três batalhões de infantaria, quatro regimentos de cavalaria, duas
companhias de metralhadoras, um grupo de artilharia de montanha,
um batalhão de engenharia, pelotões de trem, seções de ambulância
e hospitais de sangue. Diante da ascensão dos ataques dos sertanejos,
dispersos na vasta região, dividiu as forças em quatro colunas, a Norte
em Canoinhas, a Leste em Rio Negro, a Oeste em Porto União da
Vitória e Rio Caçador e a Sul em Curitibanos, para fazer um grande
cerco e, aos poucos, com o estreitamento das linhas armadas, apertar
e confinar os rebeldes a um só lugar. Depois de requisitar e receber
tropas de todas as Armas, inclusive a aviação civil do Rio de Janeiro,
ele se transferiu de Curitiba para a região em conflito no mês de
dezembro.
Na zona conturbada, em que o tráfego dos trens foi prejudicado,
os combates entre os caboclos e os militares eram diários. Aos
poucos, o cerco foi sendo apertado, com os sitiados começando
a sentir a falta de alimentos, armas, munições, roupas e remédios.
Sem mais condições para lutar, cente nas de famílias renderam-se
aos comandos das colunas. Na mata, a
ainda resistência ativa sobrevivia escapando de um reduto para outro.
A fome fez com que cavalos, cachorros, cintas, cangalhas, arreios,
bruacas e chapéus de couro cru se constituíssem em alimento. Uma
nova epidemia de tifo espalhou-se na região no início de 1915, alcançando
inclusive militares, como foi o caso do então Aspirante a
Oficial, Henrique Teixeira Lott.
O Exército só começou a ter êxito nas suas operações de guerra
após a contratação de centenas de civis, habitantes da região que não
haviam se envolvido com os rebeldes, conhecedores do terreno, que
foram colocados a soldo junto aos destacamentos para guiar e orientar
os soldados. Entre estes, chamados de “peludos”, destacaram-se
Fabrício Vieira, Carneirinho, Pedro Ruivo, João Alves de Oliveira,
João Göetten Sobrinho, Maximino Morais e Nicolau Fernandes.
Não foi possível o emprego a contento dos aeroplanos em bombardeios.
Depois de realizar vôos de observação, o avião pilotado pelo
Tenente Ricardo Kirk caiu no dia 1º de março, quando se dirigia de
Porto União da Vitória ao campo de aviação de Rio Caçador, onde
seria municiado com bombas para lançar sobre o reduto
de Santa Maria. O trágico acontecimento foi registrado no pioneirismo
da aviação militar brasileira.
Em fevereiro, sob o comando geral de Deodato, os caboclos se concentraram
no Vale de Santa Maria, no centro da área do Timbó, no coração da
Serra do Espigão, um local quase inexpugnável. Ali, resistiram aos
bombardeios dos canhões da Coluna Sul, até sucumbirem à valentia
de um destacamento da Coluna Norte, comandada
pelo Capitão Tertuliano Potyguara, que, depois de um bem sucedido “raid”
pelo Timbozinho em março, avançou pelos rios Timbó e Caçador Grande,
dizimando as guardas e redutos, entrando no vale pelo
Arroio Santa Maria na Semana da Páscoa.
A Carnificina desta expedição, encerrada dia 5 de abril, onde
morreram Maria Rosa e muitos comandantes caboclos, resultou
em mais de mil mortos e seis mil casas e casebres incendiados. Os
sobreviventes do etnocídio – ou genocídio – conseguiram fugir para
outro reduto, o de São Pedro.
Banditismo no Contestado
Durante o rigoroso inverno de 1914, quando na região as
temperaturas alcançam 10 graus centígrados negativos e há ocorrências
de geadas e nevascas, os caboclos se organizaram, iniciando uma fase
de banditismo ao atacar as fazendas para roubar gado e grãos e para
arregimentar pessoal para reforçar os redutos. Na medida em que
se armavam e municiavam, intensificaram os ataques. Fortemente
guarnecida, a cidade catarinense de Canoinhas foi alvo de diversas
investidas de grupos comandados por Antonio Tavares Júnior e
Bonifácio Papudo, sem êxito, a maior delas em julho. Na área do
Paraná, piquetes de Henrique Wolland, o “Alemãozinho”, ocuparam
Papanduva de 27 de agosto a 3 de setembro. No dia seguinte, o ataque
foi dirigido a Itaiópolis. Quando a serraria da Lumber Company de
Três Barras foi ameaçada, seus diretores pediram proteção e, como
esta localidade era vizinha a Canoinhas, mas sob administração
paranaense, não foi mais possível ao Paraná deixar de se envolver
diretamente no conflito.
Atendendo aos apelos dos governantes dos dois Estados, o
Ministério da Guerra chamou o General Setembrino de Carvalho, que
estava atuando na pacificação dos rebeldes do Padre Cícero, como Interventor
no Ceará. Quando ele começou a organizar sua expedição,
ainda no Rio de Janeiro, os caboclos se lançaram à ofensiva, sob o comando
de Francisco Alonso e Venuto Baiano. No dia 5 de setembro a
serraria e os depósitos de madeira da Lumber Company, de Calmon,
foram incendiados, do ataque resultando em apenas um sobrevivente.
No dia seguinte, aconteceu o ataque ao povoado de São João. A composição
ferroviária, saída de Porto União da Vitória com um destacamento
militar sob o comando do Capitão Matos Costa para socorrer
Calmon, foi atacada e praticamente dizimada quando chegava a São
João, registrando-se a baixa do comandante. Os ataques alcançaram
todas as estações ferroviárias, fazendas e lugarejos ao Norte de Rio
Caçador. Assustada, a maioria da população de Porto União da Vitória
fugiu para Ponta Grossa. A investida contra o Capitão Matos Costa
foi condenada pelo Conselho de Comandantes que, em represália,
determinou a execução do mentor do assalto, Venuto Baiano.
P i q u e t e s sob o comando de Agostín Saraiva investiram contra
Curitibanos, onde incendiaram parte das casas, expulsaram
as autoridades e ocuparam a cidade por três dias. Dali, dirigiram-
se para os campos de Lages, levando o pânico à população campeira,
até que “Castelhano”foi morto por populares.
Outros piquetes saíam do Timbó em direção aos campos do
Corisco, investindo contra fazendeiros de Santa Cecília. No dia 2 de
novembro, o piquete de Chico Alonso atacou a colônia alemã de Rio
das Antas. Ali, Alonso foi assassinado por Adeodato Ramos, que
assumiu o comando do grupo e, a partir de então, revelou-se como
o mais temido chefe de redutos, superando o poder de Maria Rosa,
que foi destituída do comando geral.
Expedição Setembrino
Em Curitiba, o General Setembrino de Carvalho organizou
seu Quartel General, mobilizando boa parte do Exército Brasileiro.
Chamou seis regimentos de Infantaria, dez batalhões de caçadores,
três batalhões de infantaria, quatro regimentos de cavalaria, duas
companhias de metralhadoras, um grupo de artilharia de montanha,
um batalhão de engenharia, pelotões de trem, seções de ambulância
e hospitais de sangue. Diante da ascensão dos ataques dos sertanejos,
dispersos na vasta região, dividiu as forças em quatro colunas, a Norte
em Canoinhas, a Leste em Rio Negro, a Oeste em Porto União da
Vitória e Rio Caçador e a Sul em Curitibanos, para fazer um grande
cerco e, aos poucos, com o estreitamento das linhas armadas, apertar
e confinar os rebeldes a um só lugar. Depois de requisitar e receber
tropas de todas as Armas, inclusive a aviação civil do Rio de Janeiro,
ele se transferiu de Curitiba para a região em conflito no mês de
dezembro.
Na zona conturbada, em que o tráfego dos trens foi prejudicado,
os combates entre os caboclos e os militares eram diários. Aos
poucos, o cerco foi sendo apertado, com os sitiados começando
a sentir a falta de alimentos, armas, munições, roupas e remédios.
Sem mais condições para lutar, cente nas de famílias renderam-se
aos comandos das colunas. Na mata, a
ainda resistência ativa sobrevivia escapando de um reduto para outro.
A fome fez com que cavalos, cachorros, cintas, cangalhas, arreios,
bruacas e chapéus de couro cru se constituíssem em alimento. Uma
nova epidemia de tifo espalhou-se na região no início de 1915, alcançando
inclusive militares, como foi o caso do então Aspirante a
Oficial, Henrique Teixeira Lott.
O Exército só começou a ter êxito nas suas operações de guerra
após a contratação de centenas de civis, habitantes da região que não
haviam se envolvido com os rebeldes, conhecedores do terreno, que
foram colocados a soldo junto aos destacamentos para guiar e orientar
os soldados. Entre estes, chamados de “peludos”, destacaram-se
Fabrício Vieira, Carneirinho, Pedro Ruivo, João Alves de Oliveira,
João Göetten Sobrinho, Maximino Morais e Nicolau Fernandes.
Não foi possível o emprego a contento dos aeroplanos em bombardeios.
Depois de realizar vôos de observação, o avião pilotado pelo
Tenente Ricardo Kirk caiu no dia 1º de março, quando se dirigia de
Porto União da Vitória ao campo de aviação de Rio Caçador, onde
seria municiado com bombas para lançar sobre o reduto
de Santa Maria. O trágico acontecimento foi registrado no pioneirismo
da aviação militar brasileira.
Em fevereiro, sob o comando geral de Deodato, os caboclos se concentraram
no Vale de Santa Maria, no centro da área do Timbó, no coração da
Serra do Espigão, um local quase inexpugnável. Ali, resistiram aos
bombardeios dos canhões da Coluna Sul, até sucumbirem à valentia
de um destacamento da Coluna Norte, comandada
pelo Capitão Tertuliano Potyguara, que, depois de um bem sucedido “raid”
pelo Timbozinho em março, avançou pelos rios Timbó e Caçador Grande,
dizimando as guardas e redutos, entrando no vale pelo
Arroio Santa Maria na Semana da Páscoa.
A Carnificina desta expedição, encerrada dia 5 de abril, onde
morreram Maria Rosa e muitos comandantes caboclos, resultou
em mais de mil mortos e seis mil casas e casebres incendiados. Os
sobreviventes do etnocídio – ou genocídio – conseguiram fugir para
outro reduto, o de São Pedro.
Breve História da Guerra do Contestado - III
A GUERRA DO CONTESTADO (1913-1916) - Fase Inicial
Transcorria o segundo semestre de 1913. A espiritualidade
dos monges João Maria e José Maria ainda estava forte na lembrança
dos caboclos catarinenses, que recebiam esporádicas visitas anuais
missioneiras de padres alemães franciscanos. A autoridade policial
e judicial, atrelada aos coronéis da política regional, continuava
sendo desconhecida pela população. A companhia ferroviária media
seus terrenos ocupados pelos sertanejos e iniciara a instalação de
colônias com imigrantes alemães, ao mesmo tempo em que a Lumber
Company promovia desenfreada devastação florestal e expulsava
os desamparados posseiros. Nos tribunais superiores e nas tribunas
legislativas, a questão de limites entre os Estados litigantes continuava
sendo discutida. Caindo nas mãos de políticos influentes e amigos do
poder nas capitais, as terras virgens viraram objeto de especulação
imobiliária. Em épocas de eleições, os peões alistados eram reunidos
em “currais” para receberem orientações em quem votar. Às milhares
de famílias, que sequer eram contadas nos censos, não se estendiam
ações de saúde, assistência social, segurança, comunicações e
educação.
Em Taquaruçu, a deflagração
Em setembro de 1913, no mesmo local do quadro-santo
original – Taquaruçu – surgiu uma nova “cidade-santa”, formada
por discípulos e seguidores de João Maria e José Maria, atraídos pelo
seduzido e crente fazendeiro Eusébio Ferreira dos Santos e sua neta
Teodora, considerada vidente. O messianismo foi revigorado, com
a promessa da ressurreição do finado José Maria. Rapidamente, o
local atraiu a população mística, que se concentrou e se organizou.
O ajuntamento religioso caboclo chamou a atenção do governo de
Santa Catarina que, temendo a repetição do acontecimento de um ano
antes, pediu a participação do Exército para dissolvê-lo. O Paraná,
mesmo reconhecendo estar Taquaruçu a Leste do Rio do Peixe, não
via com bons olhos a presença militar na região, pois entendia que
esta poderia invocar a execução da decisão do STF pró-Santa Catarina
na questão de limites.
No dia 15 de dezembro de 1913, a região assistiu a chegada
de forças militares federais e policiais catarinenses em Rio Caçador,
em Campos Novos e em Curitibanos, de onde partiram rumo a
A exemplo das manifestações místicas na “Cidade Santa de Taquaruçú”, os caboclos
do Contestado realizavam diariamente procissões religiosas nos quadros-de-reza,
montados no interior dos redutos, quando, dando “vivas” a São João Maria, a São
Sebastião e a José Maria, rogavam por forças para condução a vitórias nas batalhas.
Taquaruçu. Faltou sincronia, com o que as colunas de 230 homens
se movimentaram em momentos diferentes. Sentindo a proximidade,
os caboclos investiram e, no dia 29, derrotaram com pesadas baixas,
uma das tropas agressoras, fazendo com o que as demais recuassem,
vergonhosamente. Este combate marcou o início da guerra.
Nos primeiros dias de janeiro de 1914, na vila de Curitibanos,
é assassinado pelo Superintendente local, o cidadão Praxedes Gomes
Damasceno, líder comunitário de Taquaruçu, quando tentava
recuperar uma tropa de mulas cargueiras apreendidas. Isso acirrou
os ânimos na “cidade santa”, a ponto de, ali, expulsarem Frei Rogério
Neuhaus, que havia tentado dissuadir os ajuntados. O Governo de
Santa Catarina fez novo apelo ao Exército, que reuniu uma tropa de
754 homens, sob o comando do Tenente Coronel Duarte de Alleluia
Pires, com ordens de efetuar um ataque implacável.
Diante do observado poderio militar, os caboclos decidiram se
retirar de Taquaruçu, em direção ao Norte, a Caraguatá, na Serra do
Espigão. Na chuvosa noite de 8 de fevereiro, quando a artilharia iniciou
cerrado bombardeio com granadas e bombas schrapnell, os sertanejos
partiram, deixando uma guarda de poucas dezenas de combatentes,
que foi dizimada pelas metralhadoras na manhã seguinte. O comando
militar entendeu que houve a dissolução do acampamento caboclo e
se retirou para Calmon, com a intenção de regressar aos quartéis.
Caraguatá e o Exército Encantado
Na área do Distrito de São Sebastião do Sul, Vila de Perdiz
Grande, Município de Curitibanos, no alto da Serra do Espigão, o
reinado era de antigos farroupilhas e maragatos, dentre eles os irmãos
Elias de Morais e Bonifácio Morais, que tiveram suas terras expoliadas
pelos “bendegós” promovidos pelo governo catarinense. A eles
juntaram-se integrantes da família Sampaio que, ao lado de membros
da família dos Almeida, dos Vidal, dos Crespo, dos Paes de Farias, dos
Lima, dos Rocha e outros, eram inimigos do Coronel Albuquerque. Ali,
junto a Canhada Funda do Arroio Caraguatá, elegeram uma menina,
de apenas 13 anos de idade – Maria Rosa – como Comandante Suprema
do Exército Encantado de São Sebastião, naquele momento criado para
defender a honra cabocla dos agressores militares.
Tomando conhecimento da nova concentração, o Exército
procedeu o reforço da expedição e a substituição do comando, de
Pires para o Tenente Coronel José Capitulino Gomes Gameiro, que
imediatamente ordenou um ataque frontal a Caraguatá, com mais
de 700 homens. Os caboclos não se intimidaram e revidaram, sendo
vitoriosos nos combates de corpo-a-corpo do dia 9 de março em
mais uma desarticulada e desastrosa investida militar. Os corpos
dos soldados mortos foram pendurados, enforcados, em galhos de
pinheiros, para que o odor do putrefamento ao ar livre, afastasse
novas tentativas de ataque. A tropa derrotada recuou novamente
para Calmon.
Em Caraguatá, as condições de vida salubre eram insatisfatórias.
De pronto, ocorreu uma epidemia de febre tifóide, causando
muitas mortes. A jovem Maria Rosa, tida como “virgem”, ouvindo
os líderes rebelados, decidiu empreender a retirada para a região do
Timbó, descendo a Serra em direção a Bom Sossego, espalhando as
famílias pelos redutos de Pedras Brancas, São Pedro, Caçador Grande,
Tamanduá, São Sebastião, Santo Antonio, Timbozinho e Vacas
Brancas. Organizou-se o Exército Encantado, inicialmente com 3.000
homens e 2.000 mulheres, com o Conselho de Comandantes, formado
pelos líderes dos piquetes-de-briga e chefes-de-redutos, incluindo
o Comandante- Geral Elias de Morais, José Aleixo Gonçalves,
Eusébio Ferreira dos Santos, Antonio Tavares Júnior, Agostin Saraiva, o
“Castelhano” (sobrinho de Gumerindo Saraiva e de Aparício Saraiva,
comandantes maragatos da Revolução Federalista de 1894), Olegário
Ramos, Maria Rosa, Joaquim Germano, Conrado Gröbber, Francisco Alonso,
Henrique Wolland, Benevenuto Luno, o “Venuto Baiano”, este depois
verificado como “paranaense infiltrado” para jogar a população cabocla
catarinense contra o Exército, Sebastião dos Campos, Francisco Paes de
Farias, o “Chico Ventura” e Adeotado Ramos, o “Deodato”, que viria a ser o
mais famoso “jagunço”.
A União tratou de ampliar as tropas, chamando destacamentos
gaúchos e nomeando o General Carlos Frederico de Mesquita para
o comando. O segundo grande ataque ao Reduto de Caraguatá,
anunciado à Nação como “vitória”, na verdade, foi novo fracasso.
Na missão de extermínio, que juntou 3.000 soldados no Contestado,
o Exército bombardeou e metralhou só espaços vazios. Isso não
impediu que, em maio, Mesquita anunciasse o fim da resistência
sertaneja e determinasse o retorno aos quartéis, deixando na região,
para a estação do frio inverno que se aproximava, apenas um pequeno
destacamento, sob o comando do Capitão Matos Costa, ele que,
fazendo amizades entre os caboclos, tentou pacificar a revolta e evitar
a organização de nova expedição militar, sem sucesso.
Transcorria o segundo semestre de 1913. A espiritualidade
dos monges João Maria e José Maria ainda estava forte na lembrança
dos caboclos catarinenses, que recebiam esporádicas visitas anuais
missioneiras de padres alemães franciscanos. A autoridade policial
e judicial, atrelada aos coronéis da política regional, continuava
sendo desconhecida pela população. A companhia ferroviária media
seus terrenos ocupados pelos sertanejos e iniciara a instalação de
colônias com imigrantes alemães, ao mesmo tempo em que a Lumber
Company promovia desenfreada devastação florestal e expulsava
os desamparados posseiros. Nos tribunais superiores e nas tribunas
legislativas, a questão de limites entre os Estados litigantes continuava
sendo discutida. Caindo nas mãos de políticos influentes e amigos do
poder nas capitais, as terras virgens viraram objeto de especulação
imobiliária. Em épocas de eleições, os peões alistados eram reunidos
em “currais” para receberem orientações em quem votar. Às milhares
de famílias, que sequer eram contadas nos censos, não se estendiam
ações de saúde, assistência social, segurança, comunicações e
educação.
Em Taquaruçu, a deflagração
Em setembro de 1913, no mesmo local do quadro-santo
original – Taquaruçu – surgiu uma nova “cidade-santa”, formada
por discípulos e seguidores de João Maria e José Maria, atraídos pelo
seduzido e crente fazendeiro Eusébio Ferreira dos Santos e sua neta
Teodora, considerada vidente. O messianismo foi revigorado, com
a promessa da ressurreição do finado José Maria. Rapidamente, o
local atraiu a população mística, que se concentrou e se organizou.
O ajuntamento religioso caboclo chamou a atenção do governo de
Santa Catarina que, temendo a repetição do acontecimento de um ano
antes, pediu a participação do Exército para dissolvê-lo. O Paraná,
mesmo reconhecendo estar Taquaruçu a Leste do Rio do Peixe, não
via com bons olhos a presença militar na região, pois entendia que
esta poderia invocar a execução da decisão do STF pró-Santa Catarina
na questão de limites.
No dia 15 de dezembro de 1913, a região assistiu a chegada
de forças militares federais e policiais catarinenses em Rio Caçador,
em Campos Novos e em Curitibanos, de onde partiram rumo a
A exemplo das manifestações místicas na “Cidade Santa de Taquaruçú”, os caboclos
do Contestado realizavam diariamente procissões religiosas nos quadros-de-reza,
montados no interior dos redutos, quando, dando “vivas” a São João Maria, a São
Sebastião e a José Maria, rogavam por forças para condução a vitórias nas batalhas.
Taquaruçu. Faltou sincronia, com o que as colunas de 230 homens
se movimentaram em momentos diferentes. Sentindo a proximidade,
os caboclos investiram e, no dia 29, derrotaram com pesadas baixas,
uma das tropas agressoras, fazendo com o que as demais recuassem,
vergonhosamente. Este combate marcou o início da guerra.
Nos primeiros dias de janeiro de 1914, na vila de Curitibanos,
é assassinado pelo Superintendente local, o cidadão Praxedes Gomes
Damasceno, líder comunitário de Taquaruçu, quando tentava
recuperar uma tropa de mulas cargueiras apreendidas. Isso acirrou
os ânimos na “cidade santa”, a ponto de, ali, expulsarem Frei Rogério
Neuhaus, que havia tentado dissuadir os ajuntados. O Governo de
Santa Catarina fez novo apelo ao Exército, que reuniu uma tropa de
754 homens, sob o comando do Tenente Coronel Duarte de Alleluia
Pires, com ordens de efetuar um ataque implacável.
Diante do observado poderio militar, os caboclos decidiram se
retirar de Taquaruçu, em direção ao Norte, a Caraguatá, na Serra do
Espigão. Na chuvosa noite de 8 de fevereiro, quando a artilharia iniciou
cerrado bombardeio com granadas e bombas schrapnell, os sertanejos
partiram, deixando uma guarda de poucas dezenas de combatentes,
que foi dizimada pelas metralhadoras na manhã seguinte. O comando
militar entendeu que houve a dissolução do acampamento caboclo e
se retirou para Calmon, com a intenção de regressar aos quartéis.
Caraguatá e o Exército Encantado
Na área do Distrito de São Sebastião do Sul, Vila de Perdiz
Grande, Município de Curitibanos, no alto da Serra do Espigão, o
reinado era de antigos farroupilhas e maragatos, dentre eles os irmãos
Elias de Morais e Bonifácio Morais, que tiveram suas terras expoliadas
pelos “bendegós” promovidos pelo governo catarinense. A eles
juntaram-se integrantes da família Sampaio que, ao lado de membros
da família dos Almeida, dos Vidal, dos Crespo, dos Paes de Farias, dos
Lima, dos Rocha e outros, eram inimigos do Coronel Albuquerque. Ali,
junto a Canhada Funda do Arroio Caraguatá, elegeram uma menina,
de apenas 13 anos de idade – Maria Rosa – como Comandante Suprema
do Exército Encantado de São Sebastião, naquele momento criado para
defender a honra cabocla dos agressores militares.
Tomando conhecimento da nova concentração, o Exército
procedeu o reforço da expedição e a substituição do comando, de
Pires para o Tenente Coronel José Capitulino Gomes Gameiro, que
imediatamente ordenou um ataque frontal a Caraguatá, com mais
de 700 homens. Os caboclos não se intimidaram e revidaram, sendo
vitoriosos nos combates de corpo-a-corpo do dia 9 de março em
mais uma desarticulada e desastrosa investida militar. Os corpos
dos soldados mortos foram pendurados, enforcados, em galhos de
pinheiros, para que o odor do putrefamento ao ar livre, afastasse
novas tentativas de ataque. A tropa derrotada recuou novamente
para Calmon.
Em Caraguatá, as condições de vida salubre eram insatisfatórias.
De pronto, ocorreu uma epidemia de febre tifóide, causando
muitas mortes. A jovem Maria Rosa, tida como “virgem”, ouvindo
os líderes rebelados, decidiu empreender a retirada para a região do
Timbó, descendo a Serra em direção a Bom Sossego, espalhando as
famílias pelos redutos de Pedras Brancas, São Pedro, Caçador Grande,
Tamanduá, São Sebastião, Santo Antonio, Timbozinho e Vacas
Brancas. Organizou-se o Exército Encantado, inicialmente com 3.000
homens e 2.000 mulheres, com o Conselho de Comandantes, formado
pelos líderes dos piquetes-de-briga e chefes-de-redutos, incluindo
o Comandante- Geral Elias de Morais, José Aleixo Gonçalves,
Eusébio Ferreira dos Santos, Antonio Tavares Júnior, Agostin Saraiva, o
“Castelhano” (sobrinho de Gumerindo Saraiva e de Aparício Saraiva,
comandantes maragatos da Revolução Federalista de 1894), Olegário
Ramos, Maria Rosa, Joaquim Germano, Conrado Gröbber, Francisco Alonso,
Henrique Wolland, Benevenuto Luno, o “Venuto Baiano”, este depois
verificado como “paranaense infiltrado” para jogar a população cabocla
catarinense contra o Exército, Sebastião dos Campos, Francisco Paes de
Farias, o “Chico Ventura” e Adeotado Ramos, o “Deodato”, que viria a ser o
mais famoso “jagunço”.
A União tratou de ampliar as tropas, chamando destacamentos
gaúchos e nomeando o General Carlos Frederico de Mesquita para
o comando. O segundo grande ataque ao Reduto de Caraguatá,
anunciado à Nação como “vitória”, na verdade, foi novo fracasso.
Na missão de extermínio, que juntou 3.000 soldados no Contestado,
o Exército bombardeou e metralhou só espaços vazios. Isso não
impediu que, em maio, Mesquita anunciasse o fim da resistência
sertaneja e determinasse o retorno aos quartéis, deixando na região,
para a estação do frio inverno que se aproximava, apenas um pequeno
destacamento, sob o comando do Capitão Matos Costa, ele que,
fazendo amizades entre os caboclos, tentou pacificar a revolta e evitar
a organização de nova expedição militar, sem sucesso.
Breve História da Guerra do Contestado - II
ANTECEDENTES & PRECEDENTES
Para saber desta guerra que, para efeito de estudos, divide-se
em três momentos, de fanatismo, de banditismo e de genocídio, fazse
necessário conhecer alguns antecedentes e precedentes.
Questão de Limites
Desde a formação do Império Brasileiro, as províncias de São
Paulo e Santa Catarina não conheciam seus limites. Em 1853, com a
criação da Província do Paraná, desmembrada de São Paulo, abriuse
o debate sobre a linha limítrofe, discussão que passou a ser mais
acirrada entre as duas unidades da federação após a Proclamação da
República. A questão envolvia o chamado “Território Contestado”,
localizado entre os rios Iguaçu (ao Norte) e Uruguai (ao Sul), da Serra
Geral (a Leste) até a fronteira com a Argentina (a Oeste), na época sob
administração paranaense.
Enquanto as partes discutiam fórmulas para resolver o assunto,
o Império havia decidido em 1789 que, provisoriamente, caberia ao
Paraná administrar as terras a Oeste do Rio do Peixe. Em 1900, o Governo
de Santa Catarina impetrou ação judicial contra o Estado do Paraná no
Supremo Tribunal Federal, reclamando direitos sobre todo o território.
Em 1904, a Corte manifestou-se oficialmente pró-Santa Catarina, decisão
que foi confirmada em 1909 e ratificada em 1910, determinando que os
paranaenses entregassem a administração das terras aos catarinenses.
O Governo do Paraná, apoiado pela população, rebelou-se e não acatou
a decisão, com o que criou um impasse jurídico-administrativo no País,
enquanto Santa Catarina ficou na expectativa.
Na disputa por limites, envolvendo questões de posse de terras
e exploraçãode ervais, três confrontos importantes antecederam a
Guerra do Contestado.
O primeiro: em dezembro de 1905 e em janeiro de 1906, na Vila
Nova do Timbó, Demétrio Ramos, ex-maragato, primo do governador
catarinense Vidal Ramos Júnior, depois de se desentender com
seu antigo desafeto Capitão Fabrício Vieira, ex-pica-pau, reuniu 600
homens e, por duas oportunidades, enfrentou a força policial do Paraná
e um destacamento do Exército.
O segundo: em setembro de 1909, o ex-maragato e catarinense Coronel
Aleixo Gonçalves de Lima, à frente de 500 homens da Guarda Nacional,
invadiu uma área que o Paraná dizia ser sua na Estrada Dona Francisca,
afugentando a força policial paranaense que protegia uma barreira de
impostos próxima a São Bento. A reação foi imediata, mas Aleixo retirouse
e entrou em Joinville como vitorioso, irritando o Governo do Paraná.
O terceiro: em outubro de 1912 o Governo do Paraná entendeu
como invasão catarinense a presença de um grupo civil que protegia
o retirante de Taquaruçu, monge José Maria em São João do Irani e
mandou o Regimento de Segurança para enfrentá-lo, o que aconteceu
no Combate do Banhado Grande.
Para saber desta guerra que, para efeito de estudos, divide-se
em três momentos, de fanatismo, de banditismo e de genocídio, fazse
necessário conhecer alguns antecedentes e precedentes.
Questão de Limites
Desde a formação do Império Brasileiro, as províncias de São
Paulo e Santa Catarina não conheciam seus limites. Em 1853, com a
criação da Província do Paraná, desmembrada de São Paulo, abriuse
o debate sobre a linha limítrofe, discussão que passou a ser mais
acirrada entre as duas unidades da federação após a Proclamação da
República. A questão envolvia o chamado “Território Contestado”,
localizado entre os rios Iguaçu (ao Norte) e Uruguai (ao Sul), da Serra
Geral (a Leste) até a fronteira com a Argentina (a Oeste), na época sob
administração paranaense.
Enquanto as partes discutiam fórmulas para resolver o assunto,
o Império havia decidido em 1789 que, provisoriamente, caberia ao
Paraná administrar as terras a Oeste do Rio do Peixe. Em 1900, o Governo
de Santa Catarina impetrou ação judicial contra o Estado do Paraná no
Supremo Tribunal Federal, reclamando direitos sobre todo o território.
Em 1904, a Corte manifestou-se oficialmente pró-Santa Catarina, decisão
que foi confirmada em 1909 e ratificada em 1910, determinando que os
paranaenses entregassem a administração das terras aos catarinenses.
O Governo do Paraná, apoiado pela população, rebelou-se e não acatou
a decisão, com o que criou um impasse jurídico-administrativo no País,
enquanto Santa Catarina ficou na expectativa.
Na disputa por limites, envolvendo questões de posse de terras
e exploraçãode ervais, três confrontos importantes antecederam a
Guerra do Contestado.
O primeiro: em dezembro de 1905 e em janeiro de 1906, na Vila
Nova do Timbó, Demétrio Ramos, ex-maragato, primo do governador
catarinense Vidal Ramos Júnior, depois de se desentender com
seu antigo desafeto Capitão Fabrício Vieira, ex-pica-pau, reuniu 600
homens e, por duas oportunidades, enfrentou a força policial do Paraná
e um destacamento do Exército.
O segundo: em setembro de 1909, o ex-maragato e catarinense Coronel
Aleixo Gonçalves de Lima, à frente de 500 homens da Guarda Nacional,
invadiu uma área que o Paraná dizia ser sua na Estrada Dona Francisca,
afugentando a força policial paranaense que protegia uma barreira de
impostos próxima a São Bento. A reação foi imediata, mas Aleixo retirouse
e entrou em Joinville como vitorioso, irritando o Governo do Paraná.
O terceiro: em outubro de 1912 o Governo do Paraná entendeu
como invasão catarinense a presença de um grupo civil que protegia
o retirante de Taquaruçu, monge José Maria em São João do Irani e
mandou o Regimento de Segurança para enfrentá-lo, o que aconteceu
no Combate do Banhado Grande.
Estrada de Ferro
Durante a questão de limites, em 1906, no interior nas terras
contestadas, entre os rios Iguaçu e Uruguai, marginais ao Rio do
Peixe, começou a ser construído um trecho de 372 km da Estrada de
Ferro São Paulo-Rio Grande, para efetuar a ligação entre Itararé (São
Paulo) e Santa Maria (Rio Grande do Sul). Ao mesmo tempo, desde
1911, estava em andamento na região a construção de outro trecho,
entre o porto de São Francisco do Sul e Porto União da Vitória (no
Rio Iguaçu), parte de uma projetada ferrovia que demandaria até
Assunção, no Paraguai.
Estes trechos, com obras vagarosas até 1908, foram
incorporados pelo truste do norte-americano Percival Farquhar, que
comprou a concessão federal e havia constituído a holding Brazil
Railway Company. Em pagamento, além da garantia de juros pelo
capital investido, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo Rio-
Grande, que rasgou o Contestado com os trilhos – em forma de
cruz – de 1908 a dezembro de 1910, teve o direito de receber terras
devolutas, destinadas à colonização com imigrantes, revoltando a
população sertaneja local, que ficou impedida de requerer posse.
Para piorar o quadro, milhares de trabalhadores trazidos de várias
partes do país pela empresa, despedidos das obras entre 1911 e 1912,
se embrenharam no sertão.
Durante a questão de limites, em 1906, no interior nas terras
contestadas, entre os rios Iguaçu e Uruguai, marginais ao Rio do
Peixe, começou a ser construído um trecho de 372 km da Estrada de
Ferro São Paulo-Rio Grande, para efetuar a ligação entre Itararé (São
Paulo) e Santa Maria (Rio Grande do Sul). Ao mesmo tempo, desde
1911, estava em andamento na região a construção de outro trecho,
entre o porto de São Francisco do Sul e Porto União da Vitória (no
Rio Iguaçu), parte de uma projetada ferrovia que demandaria até
Assunção, no Paraguai.
Estes trechos, com obras vagarosas até 1908, foram
incorporados pelo truste do norte-americano Percival Farquhar, que
comprou a concessão federal e havia constituído a holding Brazil
Railway Company. Em pagamento, além da garantia de juros pelo
capital investido, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo Rio-
Grande, que rasgou o Contestado com os trilhos – em forma de
cruz – de 1908 a dezembro de 1910, teve o direito de receber terras
devolutas, destinadas à colonização com imigrantes, revoltando a
população sertaneja local, que ficou impedida de requerer posse.
Para piorar o quadro, milhares de trabalhadores trazidos de várias
partes do país pela empresa, despedidos das obras entre 1911 e 1912,
se embrenharam no sertão.
Lumber Company
Atraído pela riqueza florestal da região contestada, cortada
vertical e horizontalmente pelas ferrovias, o mesmo Sindicato
Farquhar tratou de promover a instalação de uma serraria
monumental, a Southern Brazil Lumber & Colonization, com a
primeira unidade em Calmon (1908) e, logo depois, em Três Barras
(1912). De paranaenses, a empresa adquiriu milhares de hectares de
terras, cobertas pela Floresta da Araucária, utilizando métodos que
foram considerados fraudulentos, pois, parte dos títulos expedidos
pelo Paraná continham registros em duplicata em Santa Catarina,
isso porque ambos transferiam imóveis como terrenos devolutos
a fazendeiros-coronéis, políticos que usufruíam as benesses do
poder em cada Estado.
Já em 1911, na região de Canoinhas, pela perda de
terras, revoltaram-se, o ex-maragato Major Aleixo Gonçalves
de Lima, mais Bonifácio José dos Santos, o “Papudo” e Antonio
Tavares Júnior, catarinenses legítimos, todos desafetos dos próparanaenses
primos Thomas e Fabrício Vieira, criando confusões
armadas. Com seu Corpo de Segurança, fortemente municiado,
contratando apenas imigrantes como seus trabalhadores, a partir
de 1912 a Lumber começou a investir contra a população sertaneja
habitante no interior das matas, expulsando-a e, com isso, atraindo
a ira cabocla, também revoltada pelo abate indiscriminado dos
pinheiros centenários.
Atraído pela riqueza florestal da região contestada, cortada
vertical e horizontalmente pelas ferrovias, o mesmo Sindicato
Farquhar tratou de promover a instalação de uma serraria
monumental, a Southern Brazil Lumber & Colonization, com a
primeira unidade em Calmon (1908) e, logo depois, em Três Barras
(1912). De paranaenses, a empresa adquiriu milhares de hectares de
terras, cobertas pela Floresta da Araucária, utilizando métodos que
foram considerados fraudulentos, pois, parte dos títulos expedidos
pelo Paraná continham registros em duplicata em Santa Catarina,
isso porque ambos transferiam imóveis como terrenos devolutos
a fazendeiros-coronéis, políticos que usufruíam as benesses do
poder em cada Estado.
Já em 1911, na região de Canoinhas, pela perda de
terras, revoltaram-se, o ex-maragato Major Aleixo Gonçalves
de Lima, mais Bonifácio José dos Santos, o “Papudo” e Antonio
Tavares Júnior, catarinenses legítimos, todos desafetos dos próparanaenses
primos Thomas e Fabrício Vieira, criando confusões
armadas. Com seu Corpo de Segurança, fortemente municiado,
contratando apenas imigrantes como seus trabalhadores, a partir
de 1912 a Lumber começou a investir contra a população sertaneja
habitante no interior das matas, expulsando-a e, com isso, atraindo
a ira cabocla, também revoltada pelo abate indiscriminado dos
pinheiros centenários.
Messianismo e Misticismo
A maioria da população da Região do Contestado era formada
por uma população cabocla, pobre e inculta, de índios, negros e lusobrasileiros
que, ao longo dos anos, havia se internado nos sertões e
nos campos e vivia do cultivo de roças, criação de porcos selvagens,
extração da erva-mate, tropeirismo de carga e trabalhava nas fazendas
de criação de gado como peões ou agregados.
A forte ascendência portuguesa dos caboclos abrigava a
crença importada do sebastianismo lusitano. Assim, a população
revelava expressões de messianismo e de muito misticismo. Diante
da ausência praticamente total da Igreja Católica, os sertanejos
buscaram conforto espiritual nos monges, profetas, curandeiros, pregadores
e eremitas, que peregrinavam pela região, dentre eles destacando-se dois,
de nomes João Maria de Agostinho e João Maria de Jesus.
Quando os monges, confundidos como um só na figura imaginária
de São João Maria, desapareceram, surgiu outro, Miguel
Lucena de Boaventura, que adotou o nome de José Maria,
o qual, depois de sair do Palmas, no Paraná, chegou à região
de Taquaruçu, em Santa Catarina, onde
foi acolhido como irmão de João Maria e tido como “novo monge”.
O Superintendente de Curitibanos, Francisco Ferreira de Albuquerque,
sentindo ameaçada sua autoridade, anunciou retaliação, com o
que José Maria decidiu regressar ao Irani, nos campos-de-baixo de
Palmas, acompanhado por escolta popular.
A maioria da população da Região do Contestado era formada
por uma população cabocla, pobre e inculta, de índios, negros e lusobrasileiros
que, ao longo dos anos, havia se internado nos sertões e
nos campos e vivia do cultivo de roças, criação de porcos selvagens,
extração da erva-mate, tropeirismo de carga e trabalhava nas fazendas
de criação de gado como peões ou agregados.
A forte ascendência portuguesa dos caboclos abrigava a
crença importada do sebastianismo lusitano. Assim, a população
revelava expressões de messianismo e de muito misticismo. Diante
da ausência praticamente total da Igreja Católica, os sertanejos
buscaram conforto espiritual nos monges, profetas, curandeiros, pregadores
e eremitas, que peregrinavam pela região, dentre eles destacando-se dois,
de nomes João Maria de Agostinho e João Maria de Jesus.
Quando os monges, confundidos como um só na figura imaginária
de São João Maria, desapareceram, surgiu outro, Miguel
Lucena de Boaventura, que adotou o nome de José Maria,
o qual, depois de sair do Palmas, no Paraná, chegou à região
de Taquaruçu, em Santa Catarina, onde
foi acolhido como irmão de João Maria e tido como “novo monge”.
O Superintendente de Curitibanos, Francisco Ferreira de Albuquerque,
sentindo ameaçada sua autoridade, anunciou retaliação, com o
que José Maria decidiu regressar ao Irani, nos campos-de-baixo de
Palmas, acompanhado por escolta popular.
Combate do Irani
O Paraná, que dava proteção ao Sindicato Farquhar, protegia
todas as terras na área do Vale do Timbó e a Oeste do Rio do Peixe,
que estavam sob sua administração. Mesmo assim, não conseguiu
impedir a instalação de alguns posseiros, na maioria ex-maragatos riograndenses,
como os Fragoso e os Fabrício das Neves, nos campos do
Irani. Ali, um grupo econômico paulista, ligado a Farquhar, que havia
adquirido a Fazenda Irani com a intenção de instalar a Companhia
Frigorífica e Pastoril, desistiu do plano e revendeu o imóvel a figuras
paranaenses importantes.
Em outubro de 1912, um pequeno grupo de catarinenses,
que havia acampado em Taquaruçu e ali formado um “quadrosanto”,
acompanhando o curandeiro José Maria, ao ser expulso
pelo Superintendente de Curitibanos, atravessou o Rio do Peixe,
refugiando-se no povoado de São João do Irani. Com o acirramento
das tensões na questão de limites e intrigas por terras, a atitude foi
considerada como uma invasão de catarinenses, merecedora de
retaliação armada.
O Paraná enviou à área uma expressiva força do seu Regimento
de Segurança para expulsar os pseudo-invasores, vindo a combater
com os defensores de José Maria no Banhado Grande, resultando na
morte do curandeiro e do comandante militar, além de dezenas de
envolvidos, o que provocou grande consternação em Curitiba.
O Paraná, que dava proteção ao Sindicato Farquhar, protegia
todas as terras na área do Vale do Timbó e a Oeste do Rio do Peixe,
que estavam sob sua administração. Mesmo assim, não conseguiu
impedir a instalação de alguns posseiros, na maioria ex-maragatos riograndenses,
como os Fragoso e os Fabrício das Neves, nos campos do
Irani. Ali, um grupo econômico paulista, ligado a Farquhar, que havia
adquirido a Fazenda Irani com a intenção de instalar a Companhia
Frigorífica e Pastoril, desistiu do plano e revendeu o imóvel a figuras
paranaenses importantes.
Em outubro de 1912, um pequeno grupo de catarinenses,
que havia acampado em Taquaruçu e ali formado um “quadrosanto”,
acompanhando o curandeiro José Maria, ao ser expulso
pelo Superintendente de Curitibanos, atravessou o Rio do Peixe,
refugiando-se no povoado de São João do Irani. Com o acirramento
das tensões na questão de limites e intrigas por terras, a atitude foi
considerada como uma invasão de catarinenses, merecedora de
retaliação armada.
O Paraná enviou à área uma expressiva força do seu Regimento
de Segurança para expulsar os pseudo-invasores, vindo a combater
com os defensores de José Maria no Banhado Grande, resultando na
morte do curandeiro e do comandante militar, além de dezenas de
envolvidos, o que provocou grande consternação em Curitiba.
Descaso governamental
As oligarquias que se consolidaram já nos primeiros tempos
da República Velha, enquanto no poder, desleixaram em relação ao
Território Contestado, permitindo que, aos homens bons que aqui se
instalavam, sem controle, misturassem-se aventureiros, pessoas de
má índole, perversas, desqualificadas social e moralmente.
As riquezas naturais da Região do Contestado só foram
percebidas pelo palácio florianopolitano depois que a estrada-deferro
rasgou o território, depois que a madeireira Lumber iniciou a
devastação da Floresta da Araucária, depois que enxergou o quanto o
Paraná arrecadava com impostos sobre os ervais nativos e depois que
constatou que, se houvesse um plebiscito, a população optaria pelo
Estado-presente, o Paraná, e pelo Governo-presente, o paranaense.
Os valores humanos desta região só foram percebidos quando já
era tarde demais. Ao invés de acolher, assistir, proteger e animar o
Homem do Contestado, tratando-o como catarinense legítimo, como
um desbravador, desprezou-o, preferindo ouvir os coronéis-de-roça e
os chefetes-de-aldeia que sustentavam a oligarquia às custas da pobre
gente cabresteada.
Percebe-se que os discursos veiculados pela imprensa nacional
e dos estados contribuíram, de alguma forma, para consolidar a
imagem do sertanejo como um mestiço inferior, através de suas
características de fanático e criminoso, dos militares como bravos
guerreiros e dos grandes proprietários de terras como vítimas do
conflito social que envolveu o homem do campo. Assim, ignoradas
questões de ordem social, política e econômica, o movimento do
Contestado foi lançado na história oficial a partir do pensamento
das elites intelectuais dominantes, que apenas retrata um modo de
pensar “branco”, a visão dos militares e o coronelismo da época. Esta
mesma linha de pensamento teve seqüência na História pelos oficiais
do Exército Brasileiro que escreveram sobre o conflito. A imagem
de um caboclo inculto, selvagem, bárbaro, fanático, desamparado,
analfabeto, bandido, criminoso, bandoleiro, terminologia de presença
constante na imprensa, quase que simultaneamente passou para as
obras dos oficiais do Exército.
As oligarquias que se consolidaram já nos primeiros tempos
da República Velha, enquanto no poder, desleixaram em relação ao
Território Contestado, permitindo que, aos homens bons que aqui se
instalavam, sem controle, misturassem-se aventureiros, pessoas de
má índole, perversas, desqualificadas social e moralmente.
As riquezas naturais da Região do Contestado só foram
percebidas pelo palácio florianopolitano depois que a estrada-deferro
rasgou o território, depois que a madeireira Lumber iniciou a
devastação da Floresta da Araucária, depois que enxergou o quanto o
Paraná arrecadava com impostos sobre os ervais nativos e depois que
constatou que, se houvesse um plebiscito, a população optaria pelo
Estado-presente, o Paraná, e pelo Governo-presente, o paranaense.
Os valores humanos desta região só foram percebidos quando já
era tarde demais. Ao invés de acolher, assistir, proteger e animar o
Homem do Contestado, tratando-o como catarinense legítimo, como
um desbravador, desprezou-o, preferindo ouvir os coronéis-de-roça e
os chefetes-de-aldeia que sustentavam a oligarquia às custas da pobre
gente cabresteada.
Percebe-se que os discursos veiculados pela imprensa nacional
e dos estados contribuíram, de alguma forma, para consolidar a
imagem do sertanejo como um mestiço inferior, através de suas
características de fanático e criminoso, dos militares como bravos
guerreiros e dos grandes proprietários de terras como vítimas do
conflito social que envolveu o homem do campo. Assim, ignoradas
questões de ordem social, política e econômica, o movimento do
Contestado foi lançado na história oficial a partir do pensamento
das elites intelectuais dominantes, que apenas retrata um modo de
pensar “branco”, a visão dos militares e o coronelismo da época. Esta
mesma linha de pensamento teve seqüência na História pelos oficiais
do Exército Brasileiro que escreveram sobre o conflito. A imagem
de um caboclo inculto, selvagem, bárbaro, fanático, desamparado,
analfabeto, bandido, criminoso, bandoleiro, terminologia de presença
constante na imprensa, quase que simultaneamente passou para as
obras dos oficiais do Exército.
Nacionalismo e Militarismo
A Guerra do Contestado aconteceu num momento em que
começava a criar raízes no Brasil a Liga de Defesa Nacional e a
Campanha do Serviço Militar, anunciadas futuras instituições que só
sensibilizariam a população, se fosse fortalecido o Exército Brasileiro.
Ao lado dos militares, muitas pessoas desempenharam este tipo
de apostolado cívico, pró-cidadania, pró-patriotismo, pró Exército.
Na sua gestão 1914-1918, Wenceslau Braz impôs sua liderança à
Nação. Para cativar os militares, utilizou todo o seu prestígio para
restaurar o comando presidencial sobre as Forças Armadas. Então,
deu continuidade ao programa de profissionalização do alistamento
militar, que havia sido iniciado em 1908 pelo Marechal Hermes da
Fonseca, ainda quando Ministro da Guerra, mas que não pôde
conduzi-lo enquanto Presidente, devido ao caos político reinante.
Em 1914, no tempo que precedeu a I Guerra Mundial, os brasileiros
tinham desviadas suas atenções sobre os problemas sociais e
políticos internos, para o entusiasmo pelo militarismo, patriotismo e
nacionalismo. O movimento cívico-patriótico brasileiro, que viria a
se intensificar a partir de 1917, canalizou-se na Liga de Defesa Nacional,
com a entrada do Brasil na Guerra, em outubro deste ano.
A Guerra do Contestado aconteceu num momento em que
começava a criar raízes no Brasil a Liga de Defesa Nacional e a
Campanha do Serviço Militar, anunciadas futuras instituições que só
sensibilizariam a população, se fosse fortalecido o Exército Brasileiro.
Ao lado dos militares, muitas pessoas desempenharam este tipo
de apostolado cívico, pró-cidadania, pró-patriotismo, pró Exército.
Na sua gestão 1914-1918, Wenceslau Braz impôs sua liderança à
Nação. Para cativar os militares, utilizou todo o seu prestígio para
restaurar o comando presidencial sobre as Forças Armadas. Então,
deu continuidade ao programa de profissionalização do alistamento
militar, que havia sido iniciado em 1908 pelo Marechal Hermes da
Fonseca, ainda quando Ministro da Guerra, mas que não pôde
conduzi-lo enquanto Presidente, devido ao caos político reinante.
Em 1914, no tempo que precedeu a I Guerra Mundial, os brasileiros
tinham desviadas suas atenções sobre os problemas sociais e
políticos internos, para o entusiasmo pelo militarismo, patriotismo e
nacionalismo. O movimento cívico-patriótico brasileiro, que viria a
se intensificar a partir de 1917, canalizou-se na Liga de Defesa Nacional,
com a entrada do Brasil na Guerra, em outubro deste ano.
Coincidindo com o final da intervenção direta do Exército Brasileiro na
Guerra do Contestado, Olavo Bilac expunha seu pensamento sobre o
momento histórico da consciência nacional naqueles anos. Aderindo
à conclamação pelo serviço militar obrigatório no Brasil, Bilac denunciava
a falta de patriotismo, pregando que a Nação só se ergueria com
um Exército forte. As palavras de Olavo Bilac, também criticando as
elites políticas brasileiras, aplaudidas pelos militares, servem para
justificar - entre outras justificativas - porque as operações de forças
do Exército Brasileiro eram sobejamente destacadas e valorizadas
pela imprensa (nacionalista e patriótica) e porque as intervenções de
seus oficiais (heróis nacionais) ganhavam brilho em todas as páginas,
como aconteceu durante e depois da Guerra do Contestado.
Guerra do Contestado, Olavo Bilac expunha seu pensamento sobre o
momento histórico da consciência nacional naqueles anos. Aderindo
à conclamação pelo serviço militar obrigatório no Brasil, Bilac denunciava
a falta de patriotismo, pregando que a Nação só se ergueria com
um Exército forte. As palavras de Olavo Bilac, também criticando as
elites políticas brasileiras, aplaudidas pelos militares, servem para
justificar - entre outras justificativas - porque as operações de forças
do Exército Brasileiro eram sobejamente destacadas e valorizadas
pela imprensa (nacionalista e patriótica) e porque as intervenções de
seus oficiais (heróis nacionais) ganhavam brilho em todas as páginas,
como aconteceu durante e depois da Guerra do Contestado.
Breve História da Guerra do Contestado - I
Ficha Catalográfica: de Célia de Marco, bibliotecária – CRB: 14/692
Biblioteca da UnC-Caçador
T465ph
Thomé, Nilson.
Breve História da Guerra do Contestado / Nilson Thomé. Caçador (SC):
UnC Campus Caçador; Museu do Contestado; INCON, 2005.
44 p.
I. Guerra do Contestado - História I. Título.
CDD: 981.64
981.098164
CDD: 981.64
981.098164
APRESENTAÇÃO
O Governo do Estado de Santa Catarina, através da Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Regional da Microrregião de Caçador, louva mais esta
brilhante iniciativa do professor e escritor Nilson Thomé. Sua bandeira, ao
longo da vida, tem sido o incansável resgate e divulgação dessa parte da história
catarinense, deixando assim de ser a lacuna esquecida pela história oficial e
que poderá nos ajudar, a partir da contextualização do episódio, compreender
melhor a nossa região e nortear diretrizes e políticas públicas que melhorem o
desenvolvimento e a qualidade de vida da nossa laboriosa gente.
O texto, de linguagem simples, clara, objetiva e dirigido principalmente
aos leigos e estudantes, é um instrumento extremamente acessível e
indispensável a todos que desejarem ter uma noção elementar do que foi
e o que representou a Guerra do Contestado. Portanto, será distribuído aos
alunos e bibliotecas das escolas de abrangência dessa Secretaria Regional.
O Governador Luiz Henrique da Silveira tem demonstrado interesse
nesse processo através de inúmeras manifestações de incentivo e apoio às
ações que, além de manter viva a chama dessa história, sirva de oportunidade
para a exploração do potencial turístico que oferece.
Parabéns ao professor Nilson Thomé, por mais este livro. Parabéns
a todos os que lutam para resgatar a nossa história. Parabéns a você, que
terá o privilégio da leitura desta obra. Após lê-la, não guarde-a na estante
para empoeirar e, sim, passe-a à frente para que outro tenha a mesma
oportunidade que você.
Valdir Vital Cobalchini
Secretário de Estado de Desenvolvimento
Regional da Microrregião de CaçadoR
INTRODUÇÃO
No Meio-Oeste, Planalto Central e Norte de Santa Catarina, entre
os vales dos rios Canoinhas (a Leste) e do Peixe (a Oeste), com os
rios Negro e Iguaçu ao Norte e o Rio Canoas e Campos Novos ao
Sul, localiza-se a área que entre 1913 e 1916 foi cenário da Guerra do
Contestado e, por isso, historicamente é identificada como Região do
Contestado. Faz parte de área maior, que antigamente se estendia ao
Extremo-Oeste, na fronteira com a Argentina (atuais Oeste Catarinense
e Sudoeste Paranaense), que constituía o Território Contestado, assim
conhecido até 1917, quando da solução da questão de limites entre
Paraná e Santa Catarina.
A linha (curso) da foz do Rio Canoinhas (no Rio Negro) às
suas nascentes e destas às nascentes do Rio do Peixe até a sua foz (no
Rio Uruguai) passou a ser considerada como “fronteira provisória”
entre os estados litigantes em 1879. No final do século passado e início
deste, o Paraná administrou e promoveu a ocupação das terras do
Planalto Norte e da margem direita do Rio do Peixe, pelos municípios
de Rio Negro, Porto União da Vitória, Três Barras, Itaiópolis e Palmas,
e Santa Catarina as terras da margem esquerda, pelos municípios de
Lages, Curitibanos e Campos Novos, depois também por Canoinhas.
Dentro da Floresta da Araucária, a região era praticamente
desabitada, com suas vilas, povoados e fazendas, ligados entre si por
estreitos e sinuosos caminhos, abertos pelos tropeiros. Entendida como
“geração cabocla”, parte da população havia chegado na primeira
metade do século passado, num processo de ocupação de terras livres
e, outra parte, chegou após 1850, quando a Lei das Terras viabilizou
sua instalação em pequenas e médias propriedades, contrastando com
o modelo anterior de sesmarias, que havia permitido o surgimento de
grandes fazendas.
Os criadores e lavradores luso-brasileiros vindos tanto de São
Paulo e do Paraná, como do Rio Grande do Sul, mesclaram-se com
os nativos índios Kaigang e Xokleng e com aqueles que haviam
chegado antes, os negros escravos, os mamelucos (da mesclagem
do branco com o índio), os cafusos (do cruzamento do negro com
o índio) e os mulatos (mestiços do branco e do negro). Nesta época,
chegaram também os primeiros eslavos, como resultado dos planos
governamentais de imigração, principalmente alemães, holandeses,
poloneses e ucranianos.
Distante das suas duas “capitais” - Florianópolis de um lado e
Curitiba de outro - a região teve vagaroso ritmo de desenvolvimento.
Tanto no Contestado-catarinense como no Contestado-parananense
o povo vivia em solidão, longe dos recursos que a modernidade
proporcionava às pessoas dos centros maiores. As estradas não
passavam de trilhas abertas a facão nas matas. A população não
dispunha de pronto atendimento médico, odontológico, farmacêutico
ou hospitalar. As escolas primárias eram raras. A autoridade era
exercida por superintendentes municipais, juízes-de-paz, delegados
de polícia e pelos fazendeiros-coronéis.
A Igreja mantinha paróquias nas únicas cidades catarinenses
existentes no início do século – Lages, Curitibanos, Campos Novos e
Canoinhas – e nas paranaenses de Palmas, Rio Negro e Porto União
da Vitória, com poucos padres atendendo os fiéis em demoradas
viagens pelos sertões, sendo que, neste quadro, despontaram na
região pessoas “diferentes”, peregrinas e eremitas, consideradas
Pequena História da Guerra do Contestado 9
“monges” pela população regional, algumas delas por se exercitarem
como pregadoras e curandeiras, outras por se apresentarem como
profetas, visionárias, charlatães ou fanáticas, enraizando nos caboclos
uma forma de religião popular.
As principais atividades econômicas resumiam-se em: extração
da erva-mate, tropeirismo, lavouras de subsistência, criação de gado
bovino e de suínos. Não existiam indústrias. O comércio restringia-se
a pequenas “bodegas” nas margens de algumas estradas. Este quadro
não começou a se reverter a partir da abertura da EFSPRG, em 1910,
como alguns podem pensar, mas, sim, após 1917, quando terminou
a Guerra do Contestado e foi homologado o Acordo de Limites PRSC,
quando então a Cia. Estrada de Ferro iniciou as tentativas de
implantação dos planos de colonização nas terras marginais aos
trilhos e quando a Lumber Company entrou em plena operação.
É neste cenário que insere-se a Guerra do Contestado...
Aproximadamente seis mil pessoas foram mortas no sertão do
Estado de Santa Catarina, entre dezembro de 1913 e janeiro de 1916.
Após quase três anos conflituosos, cerca de nove mil militares e civis,
entre mortos, feridos, desaparecidos e desertores, deram baixa nos
campos de batalha da Guerra do Contestado, um dos mais sangrentos
episódios da História do Brasil, que manchou com sangue uma área
de 15.000 km, então habitada por menos de 50 mil pessoas.
No auge do conflito, entre o final de 1914 e o início de 1915,
estavam em ação 8.000 militares, sendo 7.000 soldados das armas da
Infantaria, Cavalaria, Artilharia e Engenharia do Exército Brasileiro,
do Regimento de Segurança do Paraná, do Regimento de Segurança
de Santa Catarina, mais 1.000 civis regionais contratados pela União.
O inimigo: Exército Encantado de São Sebastião, informal, com 10.000
combatentes, entre homens, mulheres, idosos e crianças, na maioria
caboclos luso-brasileiros, armados com revólveres, espingardas e
facões.
A Guerra do Contestado foi o evento bélico mais importante
da História de Santa Catarina, envolvendo a população sertaneja de
um lado e forças militares nacionais e estaduais do outro. O evento,
que aconteceu em terras administradas por Santa Catarina e leste do
Rio do Peixe, é definido por estudiosos como “insurreição xucra” ou
“guerra civil”; para religiosos, ocorreu uma “rebelião de fanáticos”;
para sociólogos, houve um “conflito social”; para antropólogos,
foi um “movimento messiânico”; para políticos, uma tentativa de
desestabilização das oligarquias; para administradores públicos,
aconteceu uma “questão de limites”; para militares, tratou-se de uma
“campanha militar”; para socialistas, aconteceu uma “luta pela terra”.
Entretanto, para historiadores regionais da atualidade, a Guerra do
Contestado foi tudo isso simultaneamente.
A formatação histórica do Contestado é ímpar. Não há uma
motivação única, com início, meio e fim, para caracterizar o fato.
Nesta proposição, transcorridos 90 anos, o evento é entendido como
a insurreição do sertanejo catarinense, provocada pelo avanço do
capitalismo na região, influenciada pela construção da ferrovia,
pela ação danosa da madeireira Lumber Company, pela questão de
limites entre Paraná e Santa Catarina, pelo jogo de interesses entre
fazendeiros e políticos, pelo misticismo que havia entre os caboclos,
pela estratificação social e sistemas de vida da época, pela posse da
terra, pelo messianismo e pela índole guerreira dos sertanejos. Como
evento complexo, tem-se que este conflito eclodiu coincidentemente
em tempo e espaço, na junção de motivações sociais, econômicas,
políticas, religiosas e culturais, não podendo mais ser analisado e
discutido sob um único prisma ou tomado isoladamente por apenas
um destes fatores.
Biblioteca da UnC-Caçador
T465ph
Thomé, Nilson.
Breve História da Guerra do Contestado / Nilson Thomé. Caçador (SC):
UnC Campus Caçador; Museu do Contestado; INCON, 2005.
44 p.
I. Guerra do Contestado - História I. Título.
CDD: 981.64
981.098164
CDD: 981.64
981.098164
APRESENTAÇÃO
O Governo do Estado de Santa Catarina, através da Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Regional da Microrregião de Caçador, louva mais esta
brilhante iniciativa do professor e escritor Nilson Thomé. Sua bandeira, ao
longo da vida, tem sido o incansável resgate e divulgação dessa parte da história
catarinense, deixando assim de ser a lacuna esquecida pela história oficial e
que poderá nos ajudar, a partir da contextualização do episódio, compreender
melhor a nossa região e nortear diretrizes e políticas públicas que melhorem o
desenvolvimento e a qualidade de vida da nossa laboriosa gente.
O texto, de linguagem simples, clara, objetiva e dirigido principalmente
aos leigos e estudantes, é um instrumento extremamente acessível e
indispensável a todos que desejarem ter uma noção elementar do que foi
e o que representou a Guerra do Contestado. Portanto, será distribuído aos
alunos e bibliotecas das escolas de abrangência dessa Secretaria Regional.
O Governador Luiz Henrique da Silveira tem demonstrado interesse
nesse processo através de inúmeras manifestações de incentivo e apoio às
ações que, além de manter viva a chama dessa história, sirva de oportunidade
para a exploração do potencial turístico que oferece.
Parabéns ao professor Nilson Thomé, por mais este livro. Parabéns
a todos os que lutam para resgatar a nossa história. Parabéns a você, que
terá o privilégio da leitura desta obra. Após lê-la, não guarde-a na estante
para empoeirar e, sim, passe-a à frente para que outro tenha a mesma
oportunidade que você.
Valdir Vital Cobalchini
Secretário de Estado de Desenvolvimento
Regional da Microrregião de CaçadoR
INTRODUÇÃO
No Meio-Oeste, Planalto Central e Norte de Santa Catarina, entre
os vales dos rios Canoinhas (a Leste) e do Peixe (a Oeste), com os
rios Negro e Iguaçu ao Norte e o Rio Canoas e Campos Novos ao
Sul, localiza-se a área que entre 1913 e 1916 foi cenário da Guerra do
Contestado e, por isso, historicamente é identificada como Região do
Contestado. Faz parte de área maior, que antigamente se estendia ao
Extremo-Oeste, na fronteira com a Argentina (atuais Oeste Catarinense
e Sudoeste Paranaense), que constituía o Território Contestado, assim
conhecido até 1917, quando da solução da questão de limites entre
Paraná e Santa Catarina.
A linha (curso) da foz do Rio Canoinhas (no Rio Negro) às
suas nascentes e destas às nascentes do Rio do Peixe até a sua foz (no
Rio Uruguai) passou a ser considerada como “fronteira provisória”
entre os estados litigantes em 1879. No final do século passado e início
deste, o Paraná administrou e promoveu a ocupação das terras do
Planalto Norte e da margem direita do Rio do Peixe, pelos municípios
de Rio Negro, Porto União da Vitória, Três Barras, Itaiópolis e Palmas,
e Santa Catarina as terras da margem esquerda, pelos municípios de
Lages, Curitibanos e Campos Novos, depois também por Canoinhas.
Dentro da Floresta da Araucária, a região era praticamente
desabitada, com suas vilas, povoados e fazendas, ligados entre si por
estreitos e sinuosos caminhos, abertos pelos tropeiros. Entendida como
“geração cabocla”, parte da população havia chegado na primeira
metade do século passado, num processo de ocupação de terras livres
e, outra parte, chegou após 1850, quando a Lei das Terras viabilizou
sua instalação em pequenas e médias propriedades, contrastando com
o modelo anterior de sesmarias, que havia permitido o surgimento de
grandes fazendas.
Os criadores e lavradores luso-brasileiros vindos tanto de São
Paulo e do Paraná, como do Rio Grande do Sul, mesclaram-se com
os nativos índios Kaigang e Xokleng e com aqueles que haviam
chegado antes, os negros escravos, os mamelucos (da mesclagem
do branco com o índio), os cafusos (do cruzamento do negro com
o índio) e os mulatos (mestiços do branco e do negro). Nesta época,
chegaram também os primeiros eslavos, como resultado dos planos
governamentais de imigração, principalmente alemães, holandeses,
poloneses e ucranianos.
Distante das suas duas “capitais” - Florianópolis de um lado e
Curitiba de outro - a região teve vagaroso ritmo de desenvolvimento.
Tanto no Contestado-catarinense como no Contestado-parananense
o povo vivia em solidão, longe dos recursos que a modernidade
proporcionava às pessoas dos centros maiores. As estradas não
passavam de trilhas abertas a facão nas matas. A população não
dispunha de pronto atendimento médico, odontológico, farmacêutico
ou hospitalar. As escolas primárias eram raras. A autoridade era
exercida por superintendentes municipais, juízes-de-paz, delegados
de polícia e pelos fazendeiros-coronéis.
A Igreja mantinha paróquias nas únicas cidades catarinenses
existentes no início do século – Lages, Curitibanos, Campos Novos e
Canoinhas – e nas paranaenses de Palmas, Rio Negro e Porto União
da Vitória, com poucos padres atendendo os fiéis em demoradas
viagens pelos sertões, sendo que, neste quadro, despontaram na
região pessoas “diferentes”, peregrinas e eremitas, consideradas
Pequena História da Guerra do Contestado 9
“monges” pela população regional, algumas delas por se exercitarem
como pregadoras e curandeiras, outras por se apresentarem como
profetas, visionárias, charlatães ou fanáticas, enraizando nos caboclos
uma forma de religião popular.
As principais atividades econômicas resumiam-se em: extração
da erva-mate, tropeirismo, lavouras de subsistência, criação de gado
bovino e de suínos. Não existiam indústrias. O comércio restringia-se
a pequenas “bodegas” nas margens de algumas estradas. Este quadro
não começou a se reverter a partir da abertura da EFSPRG, em 1910,
como alguns podem pensar, mas, sim, após 1917, quando terminou
a Guerra do Contestado e foi homologado o Acordo de Limites PRSC,
quando então a Cia. Estrada de Ferro iniciou as tentativas de
implantação dos planos de colonização nas terras marginais aos
trilhos e quando a Lumber Company entrou em plena operação.
É neste cenário que insere-se a Guerra do Contestado...
Aproximadamente seis mil pessoas foram mortas no sertão do
Estado de Santa Catarina, entre dezembro de 1913 e janeiro de 1916.
Após quase três anos conflituosos, cerca de nove mil militares e civis,
entre mortos, feridos, desaparecidos e desertores, deram baixa nos
campos de batalha da Guerra do Contestado, um dos mais sangrentos
episódios da História do Brasil, que manchou com sangue uma área
de 15.000 km, então habitada por menos de 50 mil pessoas.
No auge do conflito, entre o final de 1914 e o início de 1915,
estavam em ação 8.000 militares, sendo 7.000 soldados das armas da
Infantaria, Cavalaria, Artilharia e Engenharia do Exército Brasileiro,
do Regimento de Segurança do Paraná, do Regimento de Segurança
de Santa Catarina, mais 1.000 civis regionais contratados pela União.
O inimigo: Exército Encantado de São Sebastião, informal, com 10.000
combatentes, entre homens, mulheres, idosos e crianças, na maioria
caboclos luso-brasileiros, armados com revólveres, espingardas e
facões.
A Guerra do Contestado foi o evento bélico mais importante
da História de Santa Catarina, envolvendo a população sertaneja de
um lado e forças militares nacionais e estaduais do outro. O evento,
que aconteceu em terras administradas por Santa Catarina e leste do
Rio do Peixe, é definido por estudiosos como “insurreição xucra” ou
“guerra civil”; para religiosos, ocorreu uma “rebelião de fanáticos”;
para sociólogos, houve um “conflito social”; para antropólogos,
foi um “movimento messiânico”; para políticos, uma tentativa de
desestabilização das oligarquias; para administradores públicos,
aconteceu uma “questão de limites”; para militares, tratou-se de uma
“campanha militar”; para socialistas, aconteceu uma “luta pela terra”.
Entretanto, para historiadores regionais da atualidade, a Guerra do
Contestado foi tudo isso simultaneamente.
A formatação histórica do Contestado é ímpar. Não há uma
motivação única, com início, meio e fim, para caracterizar o fato.
Nesta proposição, transcorridos 90 anos, o evento é entendido como
a insurreição do sertanejo catarinense, provocada pelo avanço do
capitalismo na região, influenciada pela construção da ferrovia,
pela ação danosa da madeireira Lumber Company, pela questão de
limites entre Paraná e Santa Catarina, pelo jogo de interesses entre
fazendeiros e políticos, pelo misticismo que havia entre os caboclos,
pela estratificação social e sistemas de vida da época, pela posse da
terra, pelo messianismo e pela índole guerreira dos sertanejos. Como
evento complexo, tem-se que este conflito eclodiu coincidentemente
em tempo e espaço, na junção de motivações sociais, econômicas,
políticas, religiosas e culturais, não podendo mais ser analisado e
discutido sob um único prisma ou tomado isoladamente por apenas
um destes fatores.
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