quinta-feira, 31 de maio de 2007

Breve História da Guerra do Contestado - V

O FINAL DE UMA HISTÓRIA (conclusão)

Dissolvida a Expedição do General Setembrino em abril, nos
meses que se seguiram, até dezembro de 1915, as remanescentes
forças militares do Exército e da Polícia de Santa Catarina realizaram
a chamada “Operação Varredura”, destinada a caçar e eliminar
todos os sobreviventes caboclos que haviam liderado piquetes ou se
destacado nos combates. Ficaram famosos os fuzilamentos coletivos
ocorridos em Perdizinhas e em Butiá Verde, com os cadáveres sendo
queimados em meio a grimpas de pinheiros e sepultados entre cercas
de taipas de pedras. Com a prisão de Adeodato Ramos, em janeiro de
1916, sem mais liderança, pouco restou dos grupos rebeldes.
Ao final do conflito, levantaram-se oficialmente as baixas nos
efetivos legalistas militares e civis: de 800 a 1.000, entre mortos,
feridos e desertores. Por outro lado, estimaram-se as baixas na
população civil revoltada: de 5.000 a 8.000, entre mortos, feridos e
desaparecidos. O custo da Guerra do Contestado para a União foi de
cerca de Rs.3.000:000$000, mais os soldos militares.
Com a vitória, quem mais ganhou com o conflito foi o Exército
Brasileiro que, vindo de desgastes anteriores desde a Guerra do
Paraguai, Campanha de Canudos e participações desarticuladas,
desorganizadas e desastrosas nas intervenções em diversos Estados da
incipiente República, passou a se apresentar como uma organização
nacionalista, sólida e responsável, digno de respeito, assim abrindo
caminho para – conforme a pregação de Olavo Bilac – a instituição do
Serviço Militar no Brasil.
Cessados os combates na região, em agosto de 1916, no Rio de
Janeiro, os governadores do Paraná e de Santa Catarina assinaram um
“Acordo de Limites”, dividindo entre si o Território Contestado. Com
isso, após a homologação do documento pelos legislativos estaduais,
os catarinenses assumiram de fato a administração das terras ao Sul
dos rios Negro e Iguaçu, nos vales dos rios Timbó, Timbozinho, Paciência
e Canoinhas e a Oeste do Rio do Peixe.
Em 19 de janeiro de 1918, a União anistiou todos os envolvidos.
A Guerra do Contestado começaria a entrar para a História do
Brasil do Século XX.
O Estado de Santa Catarina encontrou muitas dificuldades
para desencadear seu plano de povoamento nas terras que lhe foram
anexadas por força do acordo, à vista da sobreposição de títulos sobre
as glebas demarcadas e destinadas à colonização. Como grande parte
dos imóveis haviam sido legitimados pelo Paraná, antes de 1916,
Parte do piquete civil de Pedro Ruivo, formado por caboclos catarinenses e
paranaenses, considerados “peludos”, a serviço do Exército, num momento de
desconcentração, antes de entrar em combate na região do Timbó.
tanto à Companhia EFSPRG como a fazendeiros e a especuladores
paranaenses, as questões foram levadas aos tribunais. O Governo Catarinense
perdeu todas as ações judiciais movidas contra a Cia. Estrada
de Ferro São Paulo Rio-Grande.
O Governo estadual escolheu como sistema de colonização
do Território Contestado a cessão de imensas glebas a particulares,
preferencialmente àqueles que compartilhavam o poder político e
se propunham à abertura de estradas, titulando-lhes, em parte, as
mesmas terras que o Paraná havia concedido à EFSPRG. As ligações
rodoviárias foram eleitas como de fundamental importância para a
integração catarinense. A década de 1920 marcaria o início da introdução
da modernidade, da efetiva ocupação e do desenvolvimento
do Planalto Catarinense, integrando o sertão à faixa litorânea. Entre
outros resultados, sobressaíram-se a indústria madeireira e o modelo
agrícola minifundiário e policultor, que gerou a agro-indústria.
Efetivamente, o desenvolvimento econômico na Região do Contestado
começou quando da chegada das primeiras levas de imigrantes
europeus, alemães, italianos, poloneses e ucranianos, e de descendentes
de imigrantes, na maioria ítalo-brasileiros e teuto-brasileiros, que
vieram tanto para explorar a floresta, em latifúndios, implantando a
indústria da madeira, como trabalhar na agricultura, em minifúndios.
As propriedades destinadas à colonização foram divididas em
colônias e, em pouco tempo, os núcleos coloniais transformaram-se
em povoados. No Setor Ocidental da Região do Contestado, ao longo
do Vale do Rio do Peixe, estes núcleos, mais os antigos arraiais,
prosperaram, com o que surgiram novas vilas, algumas delas que se
elevaram à categoria de cidades, como Caçador, Videira, Tangará, Capinzal,
Piratuba, num primeiro momento, e Rio das Antas, Pinheiro
Preto, Ibicaré, Treze Tílias, Lacerdópolis, Ouro e Ipira, logo em seguida.
Destes, mais tarde, nasceram Macieira, Salto Veloso, Arroio Trinta,
Luzerna, Iomerê e Jaborá. No Alto Uruguai despontou Concórdia,
do qual também originaram-se os municípios de Presidente Castelo
Branco, Lindóia do Sul, Ipumirim, Arabutã e Alto Bela Vista.
Em áreas pouco contempladas com projetos de colonização, nos
antigos Campos de Palmas-de-Baixo prosperaram as cidades de Água
Doce, Catanduvas, Irani e Ponte Serrada. Já Matos Costa surgiu nos
antigos Campos de São João, e Calmon nos Campos de São Roque.
Fraiburgo originar-se-ia na área do Campo da Dúvida, Taquaruçu e
Butiá Verde, enquanto que Lebon Régis, Santa Cecília e Timbó Grande
foram as primeiras cidades na Serra do Espigão. O Município de
Campos Novos logo cedeu terrenos também para a formação dos municípios
de Herval d’Oeste, Erval Velho e Monte Carlo. Em seguida,
para Brunópolis, Vargem, Abdon Batista, Zortea e Ibiam. Curitibanos
manteve a integridade territorial por muito anos, até que cedeu terras
para Correia Pinto e Ponte Alta, depois para São Cristóvão do Sul,
Ponte Alta da Norte e Frei Rogério.
Completando o desenvolvimento municipal na Região do Contestado,
temos que, no Planalto Norte, desmembrados de Porto União,
Canoinhas e Mafra, surgiram os municípios de Três Barras, Irineópolis,
Papanduva, Major Vieira, Monte Castelo e Bela Vista do Toldo.
Para a posteridade, o Homem do Contestado legou a Santa
Catarina uma herança cultural que inclui: uma lição de valentia e de
bravura, não se submetendo à tirania e à opressão, preferindo lutar e
morrer tentando ser livre; a consolidação do exemplar regime de minifúndios
policultores, provando a todos a possibilidade de, mesmo
pequeno, ser grande; o nobre sentimento de defesa de seu patrimônio
ambiental, desde quando o equilíbrio ecológico passou a ser ameaçado
pela devastação; finalmente, uma contribuição ímpar na descoberta
de caminhos para levar os catarinense a conquistar a sua cidadania
através da ação comunitária.

Breve História da Guerra do Contestado - IV

A Guerra do Contestado (1913-1916) - Fase final


Banditismo no Contestado
Durante o rigoroso inverno de 1914, quando na região as
temperaturas alcançam 10 graus centígrados negativos e há ocorrências
de geadas e nevascas, os caboclos se organizaram, iniciando uma fase
de banditismo ao atacar as fazendas para roubar gado e grãos e para
arregimentar pessoal para reforçar os redutos. Na medida em que
se armavam e municiavam, intensificaram os ataques. Fortemente
guarnecida, a cidade catarinense de Canoinhas foi alvo de diversas
investidas de grupos comandados por Antonio Tavares Júnior e
Bonifácio Papudo, sem êxito, a maior delas em julho. Na área do
Paraná, piquetes de Henrique Wolland, o “Alemãozinho”, ocuparam
Papanduva de 27 de agosto a 3 de setembro. No dia seguinte, o ataque
foi dirigido a Itaiópolis. Quando a serraria da Lumber Company de
Três Barras foi ameaçada, seus diretores pediram proteção e, como
esta localidade era vizinha a Canoinhas, mas sob administração
paranaense, não foi mais possível ao Paraná deixar de se envolver
diretamente no conflito.
Atendendo aos apelos dos governantes dos dois Estados, o
Ministério da Guerra chamou o General Setembrino de Carvalho, que
estava atuando na pacificação dos rebeldes do Padre Cícero, como Interventor
no Ceará. Quando ele começou a organizar sua expedição,
ainda no Rio de Janeiro, os caboclos se lançaram à ofensiva, sob o comando
de Francisco Alonso e Venuto Baiano. No dia 5 de setembro a
serraria e os depósitos de madeira da Lumber Company, de Calmon,
foram incendiados, do ataque resultando em apenas um sobrevivente.
No dia seguinte, aconteceu o ataque ao povoado de São João. A composição
ferroviária, saída de Porto União da Vitória com um destacamento
militar sob o comando do Capitão Matos Costa para socorrer
Calmon, foi atacada e praticamente dizimada quando chegava a São
João, registrando-se a baixa do comandante. Os ataques alcançaram
todas as estações ferroviárias, fazendas e lugarejos ao Norte de Rio
Caçador. Assustada, a maioria da população de Porto União da Vitória
fugiu para Ponta Grossa. A investida contra o Capitão Matos Costa
foi condenada pelo Conselho de Comandantes que, em represália,
determinou a execução do mentor do assalto, Venuto Baiano.
P i q u e t e s sob o comando de Agostín Saraiva investiram contra
Curitibanos, onde incendiaram parte das casas, expulsaram
as autoridades e ocuparam a cidade por três dias. Dali, dirigiram-
se para os campos de Lages, levando o pânico à população campeira,
até que “Castelhano”foi morto por populares.
Outros piquetes saíam do Timbó em direção aos campos do
Corisco, investindo contra fazendeiros de Santa Cecília. No dia 2 de
novembro, o piquete de Chico Alonso atacou a colônia alemã de Rio
das Antas. Ali, Alonso foi assassinado por Adeodato Ramos, que
assumiu o comando do grupo e, a partir de então, revelou-se como
o mais temido chefe de redutos, superando o poder de Maria Rosa,
que foi destituída do comando geral.

Expedição Setembrino
Em Curitiba, o General Setembrino de Carvalho organizou
seu Quartel General, mobilizando boa parte do Exército Brasileiro.
Chamou seis regimentos de Infantaria, dez batalhões de caçadores,
três batalhões de infantaria, quatro regimentos de cavalaria, duas
companhias de metralhadoras, um grupo de artilharia de montanha,
um batalhão de engenharia, pelotões de trem, seções de ambulância
e hospitais de sangue. Diante da ascensão dos ataques dos sertanejos,
dispersos na vasta região, dividiu as forças em quatro colunas, a Norte
em Canoinhas, a Leste em Rio Negro, a Oeste em Porto União da
Vitória e Rio Caçador e a Sul em Curitibanos, para fazer um grande
cerco e, aos poucos, com o estreitamento das linhas armadas, apertar
e confinar os rebeldes a um só lugar. Depois de requisitar e receber
tropas de todas as Armas, inclusive a aviação civil do Rio de Janeiro,
ele se transferiu de Curitiba para a região em conflito no mês de
dezembro.
Na zona conturbada, em que o tráfego dos trens foi prejudicado,
os combates entre os caboclos e os militares eram diários. Aos
poucos, o cerco foi sendo apertado, com os sitiados começando
a sentir a falta de alimentos, armas, munições, roupas e remédios.
Sem mais condições para lutar, cente nas de famílias renderam-se
aos comandos das colunas. Na mata, a
ainda resistência ativa sobrevivia escapando de um reduto para outro.
A fome fez com que cavalos, cachorros, cintas, cangalhas, arreios,
bruacas e chapéus de couro cru se constituíssem em alimento. Uma
nova epidemia de tifo espalhou-se na região no início de 1915, alcançando
inclusive militares, como foi o caso do então Aspirante a
Oficial, Henrique Teixeira Lott.
O Exército só começou a ter êxito nas suas operações de guerra
após a contratação de centenas de civis, habitantes da região que não
haviam se envolvido com os rebeldes, conhecedores do terreno, que
foram colocados a soldo junto aos destacamentos para guiar e orientar
os soldados. Entre estes, chamados de “peludos”, destacaram-se
Fabrício Vieira, Carneirinho, Pedro Ruivo, João Alves de Oliveira,
João Göetten Sobrinho, Maximino Morais e Nicolau Fernandes.
Não foi possível o emprego a contento dos aeroplanos em bombardeios.
Depois de realizar vôos de observação, o avião pilotado pelo
Tenente Ricardo Kirk caiu no dia 1º de março, quando se dirigia de
Porto União da Vitória ao campo de aviação de Rio Caçador, onde
seria municiado com bombas para lançar sobre o reduto
de Santa Maria. O trágico acontecimento foi registrado no pioneirismo
da aviação militar brasileira.
Em fevereiro, sob o comando geral de Deodato, os caboclos se concentraram
no Vale de Santa Maria, no centro da área do Timbó, no coração da
Serra do Espigão, um local quase inexpugnável. Ali, resistiram aos
bombardeios dos canhões da Coluna Sul, até sucumbirem à valentia
de um destacamento da Coluna Norte, comandada
pelo Capitão Tertuliano Potyguara, que, depois de um bem sucedido “raid”
pelo Timbozinho em março, avançou pelos rios Timbó e Caçador Grande,
dizimando as guardas e redutos, entrando no vale pelo
Arroio Santa Maria na Semana da Páscoa.
A Carnificina desta expedição, encerrada dia 5 de abril, onde
morreram Maria Rosa e muitos comandantes caboclos, resultou
em mais de mil mortos e seis mil casas e casebres incendiados. Os
sobreviventes do etnocídio – ou genocídio – conseguiram fugir para
outro reduto, o de São Pedro.

Breve História da Guerra do Contestado - III

A GUERRA DO CONTESTADO (1913-1916) - Fase Inicial

Transcorria o segundo semestre de 1913. A espiritualidade
dos monges João Maria e José Maria ainda estava forte na lembrança
dos caboclos catarinenses, que recebiam esporádicas visitas anuais
missioneiras de padres alemães franciscanos. A autoridade policial
e judicial, atrelada aos coronéis da política regional, continuava
sendo desconhecida pela população. A companhia ferroviária media
seus terrenos ocupados pelos sertanejos e iniciara a instalação de
colônias com imigrantes alemães, ao mesmo tempo em que a Lumber
Company promovia desenfreada devastação florestal e expulsava
os desamparados posseiros. Nos tribunais superiores e nas tribunas
legislativas, a questão de limites entre os Estados litigantes continuava
sendo discutida. Caindo nas mãos de políticos influentes e amigos do
poder nas capitais, as terras virgens viraram objeto de especulação
imobiliária. Em épocas de eleições, os peões alistados eram reunidos
em “currais” para receberem orientações em quem votar. Às milhares
de famílias, que sequer eram contadas nos censos, não se estendiam
ações de saúde, assistência social, segurança, comunicações e
educação.

Em Taquaruçu, a deflagração
Em setembro de 1913, no mesmo local do quadro-santo
original – Taquaruçu – surgiu uma nova “cidade-santa”, formada
por discípulos e seguidores de João Maria e José Maria, atraídos pelo
seduzido e crente fazendeiro Eusébio Ferreira dos Santos e sua neta
Teodora, considerada vidente. O messianismo foi revigorado, com
a promessa da ressurreição do finado José Maria. Rapidamente, o
local atraiu a população mística, que se concentrou e se organizou.
O ajuntamento religioso caboclo chamou a atenção do governo de
Santa Catarina que, temendo a repetição do acontecimento de um ano
antes, pediu a participação do Exército para dissolvê-lo. O Paraná,
mesmo reconhecendo estar Taquaruçu a Leste do Rio do Peixe, não
via com bons olhos a presença militar na região, pois entendia que
esta poderia invocar a execução da decisão do STF pró-Santa Catarina
na questão de limites.
No dia 15 de dezembro de 1913, a região assistiu a chegada
de forças militares federais e policiais catarinenses em Rio Caçador,
em Campos Novos e em Curitibanos, de onde partiram rumo a
A exemplo das manifestações místicas na “Cidade Santa de Taquaruçú”, os caboclos
do Contestado realizavam diariamente procissões religiosas nos quadros-de-reza,
montados no interior dos redutos, quando, dando “vivas” a São João Maria, a São
Sebastião e a José Maria, rogavam por forças para condução a vitórias nas batalhas.
Taquaruçu. Faltou sincronia, com o que as colunas de 230 homens
se movimentaram em momentos diferentes. Sentindo a proximidade,
os caboclos investiram e, no dia 29, derrotaram com pesadas baixas,
uma das tropas agressoras, fazendo com o que as demais recuassem,
vergonhosamente. Este combate marcou o início da guerra.
Nos primeiros dias de janeiro de 1914, na vila de Curitibanos,
é assassinado pelo Superintendente local, o cidadão Praxedes Gomes
Damasceno, líder comunitário de Taquaruçu, quando tentava
recuperar uma tropa de mulas cargueiras apreendidas. Isso acirrou
os ânimos na “cidade santa”, a ponto de, ali, expulsarem Frei Rogério
Neuhaus, que havia tentado dissuadir os ajuntados. O Governo de
Santa Catarina fez novo apelo ao Exército, que reuniu uma tropa de
754 homens, sob o comando do Tenente Coronel Duarte de Alleluia
Pires, com ordens de efetuar um ataque implacável.
Diante do observado poderio militar, os caboclos decidiram se
retirar de Taquaruçu, em direção ao Norte, a Caraguatá, na Serra do
Espigão. Na chuvosa noite de 8 de fevereiro, quando a artilharia iniciou
cerrado bombardeio com granadas e bombas schrapnell, os sertanejos
partiram, deixando uma guarda de poucas dezenas de combatentes,
que foi dizimada pelas metralhadoras na manhã seguinte. O comando
militar entendeu que houve a dissolução do acampamento caboclo e
se retirou para Calmon, com a intenção de regressar aos quartéis.

Caraguatá e o Exército Encantado
Na área do Distrito de São Sebastião do Sul, Vila de Perdiz
Grande, Município de Curitibanos, no alto da Serra do Espigão, o
reinado era de antigos farroupilhas e maragatos, dentre eles os irmãos
Elias de Morais e Bonifácio Morais, que tiveram suas terras expoliadas
pelos “bendegós” promovidos pelo governo catarinense. A eles
juntaram-se integrantes da família Sampaio que, ao lado de membros
da família dos Almeida, dos Vidal, dos Crespo, dos Paes de Farias, dos
Lima, dos Rocha e outros, eram inimigos do Coronel Albuquerque. Ali,
junto a Canhada Funda do Arroio Caraguatá, elegeram uma menina,
de apenas 13 anos de idade – Maria Rosa – como Comandante Suprema
do Exército Encantado de São Sebastião, naquele momento criado para
defender a honra cabocla dos agressores militares.
Tomando conhecimento da nova concentração, o Exército
procedeu o reforço da expedição e a substituição do comando, de
Pires para o Tenente Coronel José Capitulino Gomes Gameiro, que
imediatamente ordenou um ataque frontal a Caraguatá, com mais
de 700 homens. Os caboclos não se intimidaram e revidaram, sendo
vitoriosos nos combates de corpo-a-corpo do dia 9 de março em
mais uma desarticulada e desastrosa investida militar. Os corpos
dos soldados mortos foram pendurados, enforcados, em galhos de
pinheiros, para que o odor do putrefamento ao ar livre, afastasse
novas tentativas de ataque. A tropa derrotada recuou novamente
para Calmon.
Em Caraguatá, as condições de vida salubre eram insatisfatórias.
De pronto, ocorreu uma epidemia de febre tifóide, causando
muitas mortes. A jovem Maria Rosa, tida como “virgem”, ouvindo
os líderes rebelados, decidiu empreender a retirada para a região do
Timbó, descendo a Serra em direção a Bom Sossego, espalhando as
famílias pelos redutos de Pedras Brancas, São Pedro, Caçador Grande,
Tamanduá, São Sebastião, Santo Antonio, Timbozinho e Vacas
Brancas. Organizou-se o Exército Encantado, inicialmente com 3.000
homens e 2.000 mulheres, com o Conselho de Comandantes, formado
pelos líderes dos piquetes-de-briga e chefes-de-redutos, incluindo
o Comandante- Geral Elias de Morais, José Aleixo Gonçalves,
Eusébio Ferreira dos Santos, Antonio Tavares Júnior, Agostin Saraiva, o
“Castelhano” (sobrinho de Gumerindo Saraiva e de Aparício Saraiva,
comandantes maragatos da Revolução Federalista de 1894), Olegário
Ramos, Maria Rosa, Joaquim Germano, Conrado Gröbber, Francisco Alonso,
Henrique Wolland, Benevenuto Luno, o “Venuto Baiano”, este depois
verificado como “paranaense infiltrado” para jogar a população cabocla
catarinense contra o Exército, Sebastião dos Campos, Francisco Paes de
Farias, o “Chico Ventura” e Adeotado Ramos, o “Deodato”, que viria a ser o
mais famoso “jagunço”.
A União tratou de ampliar as tropas, chamando destacamentos
gaúchos e nomeando o General Carlos Frederico de Mesquita para
o comando. O segundo grande ataque ao Reduto de Caraguatá,
anunciado à Nação como “vitória”, na verdade, foi novo fracasso.
Na missão de extermínio, que juntou 3.000 soldados no Contestado,
o Exército bombardeou e metralhou só espaços vazios. Isso não
impediu que, em maio, Mesquita anunciasse o fim da resistência
sertaneja e determinasse o retorno aos quartéis, deixando na região,
para a estação do frio inverno que se aproximava, apenas um pequeno
destacamento, sob o comando do Capitão Matos Costa, ele que,
fazendo amizades entre os caboclos, tentou pacificar a revolta e evitar
a organização de nova expedição militar, sem sucesso.

Breve História da Guerra do Contestado - II

ANTECEDENTES & PRECEDENTES

Para saber desta guerra que, para efeito de estudos, divide-se
em três momentos, de fanatismo, de banditismo e de genocídio, fazse
necessário conhecer alguns antecedentes e precedentes.

Questão de Limites
Desde a formação do Império Brasileiro, as províncias de São
Paulo e Santa Catarina não conheciam seus limites. Em 1853, com a
criação da Província do Paraná, desmembrada de São Paulo, abriuse
o debate sobre a linha limítrofe, discussão que passou a ser mais
acirrada entre as duas unidades da federação após a Proclamação da
República. A questão envolvia o chamado “Território Contestado”,
localizado entre os rios Iguaçu (ao Norte) e Uruguai (ao Sul), da Serra
Geral (a Leste) até a fronteira com a Argentina (a Oeste), na época sob
administração paranaense.
Enquanto as partes discutiam fórmulas para resolver o assunto,
o Império havia decidido em 1789 que, provisoriamente, caberia ao
Paraná administrar as terras a Oeste do Rio do Peixe. Em 1900, o Governo
de Santa Catarina impetrou ação judicial contra o Estado do Paraná no
Supremo Tribunal Federal, reclamando direitos sobre todo o território.
Em 1904, a Corte manifestou-se oficialmente pró-Santa Catarina, decisão
que foi confirmada em 1909 e ratificada em 1910, determinando que os
paranaenses entregassem a administração das terras aos catarinenses.
O Governo do Paraná, apoiado pela população, rebelou-se e não acatou
a decisão, com o que criou um impasse jurídico-administrativo no País,
enquanto Santa Catarina ficou na expectativa.
Na disputa por limites, envolvendo questões de posse de terras
e exploraçãode ervais, três confrontos importantes antecederam a
Guerra do Contestado.
O primeiro: em dezembro de 1905 e em janeiro de 1906, na Vila
Nova do Timbó, Demétrio Ramos, ex-maragato, primo do governador
catarinense Vidal Ramos Júnior, depois de se desentender com
seu antigo desafeto Capitão Fabrício Vieira, ex-pica-pau, reuniu 600
homens e, por duas oportunidades, enfrentou a força policial do Paraná
e um destacamento do Exército.
O segundo: em setembro de 1909, o ex-maragato e catarinense Coronel
Aleixo Gonçalves de Lima, à frente de 500 homens da Guarda Nacional,
invadiu uma área que o Paraná dizia ser sua na Estrada Dona Francisca,
afugentando a força policial paranaense que protegia uma barreira de
impostos próxima a São Bento. A reação foi imediata, mas Aleixo retirouse
e entrou em Joinville como vitorioso, irritando o Governo do Paraná.
O terceiro: em outubro de 1912 o Governo do Paraná entendeu
como invasão catarinense a presença de um grupo civil que protegia
o retirante de Taquaruçu, monge José Maria em São João do Irani e
mandou o Regimento de Segurança para enfrentá-lo, o que aconteceu
no Combate do Banhado Grande.
Estrada de Ferro
Durante a questão de limites, em 1906, no interior nas terras
contestadas, entre os rios Iguaçu e Uruguai, marginais ao Rio do
Peixe, começou a ser construído um trecho de 372 km da Estrada de
Ferro São Paulo-Rio Grande, para efetuar a ligação entre Itararé (São
Paulo) e Santa Maria (Rio Grande do Sul). Ao mesmo tempo, desde
1911, estava em andamento na região a construção de outro trecho,
entre o porto de São Francisco do Sul e Porto União da Vitória (no
Rio Iguaçu), parte de uma projetada ferrovia que demandaria até
Assunção, no Paraguai.
Estes trechos, com obras vagarosas até 1908, foram
incorporados pelo truste do norte-americano Percival Farquhar, que
comprou a concessão federal e havia constituído a holding Brazil
Railway Company. Em pagamento, além da garantia de juros pelo
capital investido, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo Rio-
Grande, que rasgou o Contestado com os trilhos – em forma de
cruz – de 1908 a dezembro de 1910, teve o direito de receber terras
devolutas, destinadas à colonização com imigrantes, revoltando a
população sertaneja local, que ficou impedida de requerer posse.
Para piorar o quadro, milhares de trabalhadores trazidos de várias
partes do país pela empresa, despedidos das obras entre 1911 e 1912,
se embrenharam no sertão.
Lumber Company
Atraído pela riqueza florestal da região contestada, cortada
vertical e horizontalmente pelas ferrovias, o mesmo Sindicato
Farquhar tratou de promover a instalação de uma serraria
monumental, a Southern Brazil Lumber & Colonization, com a
primeira unidade em Calmon (1908) e, logo depois, em Três Barras
(1912). De paranaenses, a empresa adquiriu milhares de hectares de
terras, cobertas pela Floresta da Araucária, utilizando métodos que
foram considerados fraudulentos, pois, parte dos títulos expedidos
pelo Paraná continham registros em duplicata em Santa Catarina,
isso porque ambos transferiam imóveis como terrenos devolutos
a fazendeiros-coronéis, políticos que usufruíam as benesses do
poder em cada Estado.
Já em 1911, na região de Canoinhas, pela perda de
terras, revoltaram-se, o ex-maragato Major Aleixo Gonçalves
de Lima, mais Bonifácio José dos Santos, o “Papudo” e Antonio
Tavares Júnior, catarinenses legítimos, todos desafetos dos próparanaenses
primos Thomas e Fabrício Vieira, criando confusões
armadas. Com seu Corpo de Segurança, fortemente municiado,
contratando apenas imigrantes como seus trabalhadores, a partir
de 1912 a Lumber começou a investir contra a população sertaneja
habitante no interior das matas, expulsando-a e, com isso, atraindo
a ira cabocla, também revoltada pelo abate indiscriminado dos
pinheiros centenários.
Messianismo e Misticismo
A maioria da população da Região do Contestado era formada
por uma população cabocla, pobre e inculta, de índios, negros e lusobrasileiros
que, ao longo dos anos, havia se internado nos sertões e
nos campos e vivia do cultivo de roças, criação de porcos selvagens,
extração da erva-mate, tropeirismo de carga e trabalhava nas fazendas
de criação de gado como peões ou agregados.
A forte ascendência portuguesa dos caboclos abrigava a
crença importada do sebastianismo lusitano. Assim, a população
revelava expressões de messianismo e de muito misticismo. Diante
da ausência praticamente total da Igreja Católica, os sertanejos
buscaram conforto espiritual nos monges, profetas, curandeiros, pregadores
e eremitas, que peregrinavam pela região, dentre eles destacando-se dois,
de nomes João Maria de Agostinho e João Maria de Jesus.
Quando os monges, confundidos como um só na figura imaginária
de São João Maria, desapareceram, surgiu outro, Miguel
Lucena de Boaventura, que adotou o nome de José Maria,
o qual, depois de sair do Palmas, no Paraná, chegou à região
de Taquaruçu, em Santa Catarina, onde
foi acolhido como irmão de João Maria e tido como “novo monge”.
O Superintendente de Curitibanos, Francisco Ferreira de Albuquerque,
sentindo ameaçada sua autoridade, anunciou retaliação, com o
que José Maria decidiu regressar ao Irani, nos campos-de-baixo de
Palmas, acompanhado por escolta popular.
Combate do Irani
O Paraná, que dava proteção ao Sindicato Farquhar, protegia
todas as terras na área do Vale do Timbó e a Oeste do Rio do Peixe,
que estavam sob sua administração. Mesmo assim, não conseguiu
impedir a instalação de alguns posseiros, na maioria ex-maragatos riograndenses,
como os Fragoso e os Fabrício das Neves, nos campos do
Irani. Ali, um grupo econômico paulista, ligado a Farquhar, que havia
adquirido a Fazenda Irani com a intenção de instalar a Companhia
Frigorífica e Pastoril, desistiu do plano e revendeu o imóvel a figuras
paranaenses importantes.
Em outubro de 1912, um pequeno grupo de catarinenses,
que havia acampado em Taquaruçu e ali formado um “quadrosanto”,
acompanhando o curandeiro José Maria, ao ser expulso
pelo Superintendente de Curitibanos, atravessou o Rio do Peixe,
refugiando-se no povoado de São João do Irani. Com o acirramento
das tensões na questão de limites e intrigas por terras, a atitude foi
considerada como uma invasão de catarinenses, merecedora de
retaliação armada.
O Paraná enviou à área uma expressiva força do seu Regimento
de Segurança para expulsar os pseudo-invasores, vindo a combater
com os defensores de José Maria no Banhado Grande, resultando na
morte do curandeiro e do comandante militar, além de dezenas de
envolvidos, o que provocou grande consternação em Curitiba.
Descaso governamental
As oligarquias que se consolidaram já nos primeiros tempos
da República Velha, enquanto no poder, desleixaram em relação ao
Território Contestado, permitindo que, aos homens bons que aqui se
instalavam, sem controle, misturassem-se aventureiros, pessoas de
má índole, perversas, desqualificadas social e moralmente.
As riquezas naturais da Região do Contestado só foram
percebidas pelo palácio florianopolitano depois que a estrada-deferro
rasgou o território, depois que a madeireira Lumber iniciou a
devastação da Floresta da Araucária, depois que enxergou o quanto o
Paraná arrecadava com impostos sobre os ervais nativos e depois que
constatou que, se houvesse um plebiscito, a população optaria pelo
Estado-presente, o Paraná, e pelo Governo-presente, o paranaense.
Os valores humanos desta região só foram percebidos quando já
era tarde demais. Ao invés de acolher, assistir, proteger e animar o
Homem do Contestado, tratando-o como catarinense legítimo, como
um desbravador, desprezou-o, preferindo ouvir os coronéis-de-roça e
os chefetes-de-aldeia que sustentavam a oligarquia às custas da pobre
gente cabresteada.
Percebe-se que os discursos veiculados pela imprensa nacional
e dos estados contribuíram, de alguma forma, para consolidar a
imagem do sertanejo como um mestiço inferior, através de suas
características de fanático e criminoso, dos militares como bravos
guerreiros e dos grandes proprietários de terras como vítimas do
conflito social que envolveu o homem do campo. Assim, ignoradas
questões de ordem social, política e econômica, o movimento do
Contestado foi lançado na história oficial a partir do pensamento
das elites intelectuais dominantes, que apenas retrata um modo de
pensar “branco”, a visão dos militares e o coronelismo da época. Esta
mesma linha de pensamento teve seqüência na História pelos oficiais
do Exército Brasileiro que escreveram sobre o conflito. A imagem
de um caboclo inculto, selvagem, bárbaro, fanático, desamparado,
analfabeto, bandido, criminoso, bandoleiro, terminologia de presença
constante na imprensa, quase que simultaneamente passou para as
obras dos oficiais do Exército.
Nacionalismo e Militarismo
A Guerra do Contestado aconteceu num momento em que
começava a criar raízes no Brasil a Liga de Defesa Nacional e a
Campanha do Serviço Militar, anunciadas futuras instituições que só
sensibilizariam a população, se fosse fortalecido o Exército Brasileiro.
Ao lado dos militares, muitas pessoas desempenharam este tipo
de apostolado cívico, pró-cidadania, pró-patriotismo, pró Exército.
Na sua gestão 1914-1918, Wenceslau Braz impôs sua liderança à
Nação. Para cativar os militares, utilizou todo o seu prestígio para
restaurar o comando presidencial sobre as Forças Armadas. Então,
deu continuidade ao programa de profissionalização do alistamento
militar, que havia sido iniciado em 1908 pelo Marechal Hermes da
Fonseca, ainda quando Ministro da Guerra, mas que não pôde
conduzi-lo enquanto Presidente, devido ao caos político reinante.
Em 1914, no tempo que precedeu a I Guerra Mundial, os brasileiros
tinham desviadas suas atenções sobre os problemas sociais e
políticos internos, para o entusiasmo pelo militarismo, patriotismo e
nacionalismo. O movimento cívico-patriótico brasileiro, que viria a
se intensificar a partir de 1917, canalizou-se na Liga de Defesa Nacional,
com a entrada do Brasil na Guerra, em outubro deste ano.
Coincidindo com o final da intervenção direta do Exército Brasileiro na
Guerra do Contestado, Olavo Bilac expunha seu pensamento sobre o
momento histórico da consciência nacional naqueles anos. Aderindo
à conclamação pelo serviço militar obrigatório no Brasil, Bilac denunciava
a falta de patriotismo, pregando que a Nação só se ergueria com
um Exército forte. As palavras de Olavo Bilac, também criticando as
elites políticas brasileiras, aplaudidas pelos militares, servem para
justificar - entre outras justificativas - porque as operações de forças
do Exército Brasileiro eram sobejamente destacadas e valorizadas
pela imprensa (nacionalista e patriótica) e porque as intervenções de
seus oficiais (heróis nacionais) ganhavam brilho em todas as páginas,
como aconteceu durante e depois da Guerra do Contestado.

Breve História da Guerra do Contestado - I

Ficha Catalográfica: de Célia de Marco, bibliotecária – CRB: 14/692
Biblioteca da UnC-Caçador
T465ph
Thomé, Nilson.
Breve História da Guerra do Contestado / Nilson Thomé. Caçador (SC):
UnC Campus Caçador; Museu do Contestado; INCON, 2005.
44 p.
I. Guerra do Contestado - História I. Título.
CDD: 981.64
981.098164
CDD: 981.64
981.098164

APRESENTAÇÃO

O Governo do Estado de Santa Catarina, através da Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Regional da Microrregião de Caçador, louva mais esta
brilhante iniciativa do professor e escritor Nilson Thomé. Sua bandeira, ao
longo da vida, tem sido o incansável resgate e divulgação dessa parte da história
catarinense, deixando assim de ser a lacuna esquecida pela história oficial e
que poderá nos ajudar, a partir da contextualização do episódio, compreender
melhor a nossa região e nortear diretrizes e políticas públicas que melhorem o
desenvolvimento e a qualidade de vida da nossa laboriosa gente.
O texto, de linguagem simples, clara, objetiva e dirigido principalmente
aos leigos e estudantes, é um instrumento extremamente acessível e
indispensável a todos que desejarem ter uma noção elementar do que foi
e o que representou a Guerra do Contestado. Portanto, será distribuído aos
alunos e bibliotecas das escolas de abrangência dessa Secretaria Regional.
O Governador Luiz Henrique da Silveira tem demonstrado interesse
nesse processo através de inúmeras manifestações de incentivo e apoio às
ações que, além de manter viva a chama dessa história, sirva de oportunidade
para a exploração do potencial turístico que oferece.
Parabéns ao professor Nilson Thomé, por mais este livro. Parabéns
a todos os que lutam para resgatar a nossa história. Parabéns a você, que
terá o privilégio da leitura desta obra. Após lê-la, não guarde-a na estante
para empoeirar e, sim, passe-a à frente para que outro tenha a mesma
oportunidade que você.
Valdir Vital Cobalchini
Secretário de Estado de Desenvolvimento
Regional da Microrregião de CaçadoR

INTRODUÇÃO

No Meio-Oeste, Planalto Central e Norte de Santa Catarina, entre
os vales dos rios Canoinhas (a Leste) e do Peixe (a Oeste), com os
rios Negro e Iguaçu ao Norte e o Rio Canoas e Campos Novos ao
Sul, localiza-se a área que entre 1913 e 1916 foi cenário da Guerra do
Contestado e, por isso, historicamente é identificada como Região do
Contestado. Faz parte de área maior, que antigamente se estendia ao
Extremo-Oeste, na fronteira com a Argentina (atuais Oeste Catarinense
e Sudoeste Paranaense), que constituía o Território Contestado, assim
conhecido até 1917, quando da solução da questão de limites entre
Paraná e Santa Catarina.
A linha (curso) da foz do Rio Canoinhas (no Rio Negro) às
suas nascentes e destas às nascentes do Rio do Peixe até a sua foz (no
Rio Uruguai) passou a ser considerada como “fronteira provisória”
entre os estados litigantes em 1879. No final do século passado e início
deste, o Paraná administrou e promoveu a ocupação das terras do
Planalto Norte e da margem direita do Rio do Peixe, pelos municípios
de Rio Negro, Porto União da Vitória, Três Barras, Itaiópolis e Palmas,
e Santa Catarina as terras da margem esquerda, pelos municípios de
Lages, Curitibanos e Campos Novos, depois também por Canoinhas.
Dentro da Floresta da Araucária, a região era praticamente
desabitada, com suas vilas, povoados e fazendas, ligados entre si por
estreitos e sinuosos caminhos, abertos pelos tropeiros. Entendida como
“geração cabocla”, parte da população havia chegado na primeira
metade do século passado, num processo de ocupação de terras livres
e, outra parte, chegou após 1850, quando a Lei das Terras viabilizou
sua instalação em pequenas e médias propriedades, contrastando com
o modelo anterior de sesmarias, que havia permitido o surgimento de
grandes fazendas.
Os criadores e lavradores luso-brasileiros vindos tanto de São
Paulo e do Paraná, como do Rio Grande do Sul, mesclaram-se com
os nativos índios Kaigang e Xokleng e com aqueles que haviam
chegado antes, os negros escravos, os mamelucos (da mesclagem
do branco com o índio), os cafusos (do cruzamento do negro com
o índio) e os mulatos (mestiços do branco e do negro). Nesta época,
chegaram também os primeiros eslavos, como resultado dos planos
governamentais de imigração, principalmente alemães, holandeses,
poloneses e ucranianos.
Distante das suas duas “capitais” - Florianópolis de um lado e
Curitiba de outro - a região teve vagaroso ritmo de desenvolvimento.
Tanto no Contestado-catarinense como no Contestado-parananense
o povo vivia em solidão, longe dos recursos que a modernidade
proporcionava às pessoas dos centros maiores. As estradas não
passavam de trilhas abertas a facão nas matas. A população não
dispunha de pronto atendimento médico, odontológico, farmacêutico
ou hospitalar. As escolas primárias eram raras. A autoridade era
exercida por superintendentes municipais, juízes-de-paz, delegados
de polícia e pelos fazendeiros-coronéis.
A Igreja mantinha paróquias nas únicas cidades catarinenses
existentes no início do século – Lages, Curitibanos, Campos Novos e
Canoinhas – e nas paranaenses de Palmas, Rio Negro e Porto União
da Vitória, com poucos padres atendendo os fiéis em demoradas
viagens pelos sertões, sendo que, neste quadro, despontaram na
região pessoas “diferentes”, peregrinas e eremitas, consideradas
Pequena História da Guerra do Contestado 9
“monges” pela população regional, algumas delas por se exercitarem
como pregadoras e curandeiras, outras por se apresentarem como
profetas, visionárias, charlatães ou fanáticas, enraizando nos caboclos
uma forma de religião popular.
As principais atividades econômicas resumiam-se em: extração
da erva-mate, tropeirismo, lavouras de subsistência, criação de gado
bovino e de suínos. Não existiam indústrias. O comércio restringia-se
a pequenas “bodegas” nas margens de algumas estradas. Este quadro
não começou a se reverter a partir da abertura da EFSPRG, em 1910,
como alguns podem pensar, mas, sim, após 1917, quando terminou
a Guerra do Contestado e foi homologado o Acordo de Limites PRSC,
quando então a Cia. Estrada de Ferro iniciou as tentativas de
implantação dos planos de colonização nas terras marginais aos
trilhos e quando a Lumber Company entrou em plena operação.
É neste cenário que insere-se a Guerra do Contestado...
Aproximadamente seis mil pessoas foram mortas no sertão do
Estado de Santa Catarina, entre dezembro de 1913 e janeiro de 1916.
Após quase três anos conflituosos, cerca de nove mil militares e civis,
entre mortos, feridos, desaparecidos e desertores, deram baixa nos
campos de batalha da Guerra do Contestado, um dos mais sangrentos
episódios da História do Brasil, que manchou com sangue uma área
de 15.000 km, então habitada por menos de 50 mil pessoas.
No auge do conflito, entre o final de 1914 e o início de 1915,
estavam em ação 8.000 militares, sendo 7.000 soldados das armas da
Infantaria, Cavalaria, Artilharia e Engenharia do Exército Brasileiro,
do Regimento de Segurança do Paraná, do Regimento de Segurança
de Santa Catarina, mais 1.000 civis regionais contratados pela União.
O inimigo: Exército Encantado de São Sebastião, informal, com 10.000
combatentes, entre homens, mulheres, idosos e crianças, na maioria
caboclos luso-brasileiros, armados com revólveres, espingardas e
facões.
A Guerra do Contestado foi o evento bélico mais importante
da História de Santa Catarina, envolvendo a população sertaneja de
um lado e forças militares nacionais e estaduais do outro. O evento,
que aconteceu em terras administradas por Santa Catarina e leste do
Rio do Peixe, é definido por estudiosos como “insurreição xucra” ou
“guerra civil”; para religiosos, ocorreu uma “rebelião de fanáticos”;
para sociólogos, houve um “conflito social”; para antropólogos,
foi um “movimento messiânico”; para políticos, uma tentativa de
desestabilização das oligarquias; para administradores públicos,
aconteceu uma “questão de limites”; para militares, tratou-se de uma
“campanha militar”; para socialistas, aconteceu uma “luta pela terra”.
Entretanto, para historiadores regionais da atualidade, a Guerra do
Contestado foi tudo isso simultaneamente.
A formatação histórica do Contestado é ímpar. Não há uma
motivação única, com início, meio e fim, para caracterizar o fato.
Nesta proposição, transcorridos 90 anos, o evento é entendido como
a insurreição do sertanejo catarinense, provocada pelo avanço do
capitalismo na região, influenciada pela construção da ferrovia,
pela ação danosa da madeireira Lumber Company, pela questão de
limites entre Paraná e Santa Catarina, pelo jogo de interesses entre
fazendeiros e políticos, pelo misticismo que havia entre os caboclos,
pela estratificação social e sistemas de vida da época, pela posse da
terra, pelo messianismo e pela índole guerreira dos sertanejos. Como
evento complexo, tem-se que este conflito eclodiu coincidentemente
em tempo e espaço, na junção de motivações sociais, econômicas,
políticas, religiosas e culturais, não podendo mais ser analisado e
discutido sob um único prisma ou tomado isoladamente por apenas
um destes fatores.